quarta-feira, 22 de outubro de 2025

HAMMERFALL - ONE CRIMSON NIGHT (2003/2025 - RELANÇAMENTO)

 


HAMMERFALL
ONE CRIMSON NIGHT
Shinigami Records/Nuclear Blast - Nacional

Quando o HAMMERFALL lançou ONE CRIMSON NIGHT, em outubro de 2003, já não era apenas mais uma banda sueca reverenciando os tempos dourados do heavy metal. Era o símbolo de uma resistência, um revival do metal oitentista em seu estilo mais "true". Ainda mais em uma época em que o metal tradicional parecia ofuscado por modismos e hibridismos, o grupo de Joacim Cans e Oscar Dronjak ergueu novamente o martelo e o fez soar com força e convicção. Este álbum duplo ao vivo é o documento definitivo dessa missão, e que agora, a Shinigami Records em mais uma parceria com a Nuclear Blast, disponibiliza no Brasil numa bela embalagem digipack, com livreto, e com um fino acabamento (muito, mas muito superior ao lançamento original da época).

Gravado em Gotemburgo — cidade natal da banda — o show é uma celebração de tudo que o quinteto sueco representa: melodias heróicas, refrãos grandiosos e a uma interação quase religiosa entre músicos e fãs. Desde a abertura com “Riders of the Storm”, fica claro que o público não está ali apenas para assistir, mas para participar de um ritual metálico. Cada verso é acompanhado por coros ensurdecedores, e a emoção que emana do palco é gritante.

A performance da banda é ótima e me arrisco a dizer que ali, o grupo vivia sua melhor fase. Joacim Cans reafirma seu posto como um dos vocalistas mais carismáticos e técnicos do estilo — sua entrega é total. Oscar Dronjak e Stefan Elmgren (a melhor dupla de guitarristas que o grupo já teve) alternam riffs e harmonias com precisão cirúrgica, evocando o espírito de bandas como Judas Priest e Iron Maiden, mas com identidade própria. A cozinha, sustentada por Anders Johansson (bateria) e Magnus Rosén (baixo), mantém o peso e o domínio necessários para transformar o show em um verdadeiro ataque pesado.

A produção é um ponto alto: cristalina, poderosa e equilibrada. O público soa presente o tempo todo, mas sem encobrir a execução da banda. "One Crimson Night" tem aquele raro equilíbrio entre a energia do palco e a nitidez de estúdio, capturando a intensidade do momento sem que isso se torne demérito e não venha a sacrificar a clareza do som.

No repertório, há espaço para todos os hinos: “Hearts on Fire”, “Renegade”, “Let the Hammer Fall”, “Crimson Thunder” e, claro, a majestosa “Glory to the Brave”. Esta última, executada com emoção genuína, é o coração espiritual do álbum — um lembrete de que, por trás do brilho do aço, existe sentimento e história. Como bônus temos três ótimas faixas: a espetacular "The Dragon Lies Bleeding", faixa de abertura do primeiro álbum do grupo - Glory to the Brave de 1997 -, a "true metal" "Stronger Than All", presente em "Legacy of Kings", segundo trabalho lançado em 1998 e "A Legend Reborn", faixa de "Renegade", terceiro álbum do quinteto, originalmente lançado no ano 2000.

Mais do que um show, ONE CRIMSON NIGHT representa a consagração de uma trajetória. Entre 1997 e 2003, o HAMMERFALL resgatou a estética, o som e a filosofia do metal clássico com honestidade e orgulho, e com isso, reinou com sobras no território do Heavy Metal. Esse disco ao vivo é a recompensa: a prova de que o heavy metal tradicional não apenas sobreviveu, mas renasceu em pleno século XXI, com uma nova geração  empunhando guitarras e fazendo do estilo uma verdadeira fonte de musicalidade.

Sergiomar Menezes





POSSESSED - SEVEN CHURCHES 40 ANOS


 QUATRO DÉCADAS DE DEATH METAL

Por Gustavo Jardim

Lá estava eu, quase no fim da década de 90 folheando uma revista METAL e me deparo com a matéria e uma foto com os dizeres “o Possessed não esconde de ninguém sua vontade de roubar do Slayer o reinado do Thrash.“. Era uma fase de descobertas pra mim, muitas bandas me faziam mudar percepções e moldavam meu estilo musical e me faziam questionar as coisas ao meu redor. Eu já conhecia Slayer, Metallica, Sepultura, o Venom e algumas outras, e decidi que precisava ouvir a banda da matéria a qualquer modo. As bandas do chamado metal extremo que eu conhecia eram de audições rasteiras, sejam em raras lojas especializadas, locadoras e claro através de amigos, também raros.

Quando finalmente me surgiu a oportunidade de ouvir, através de um amigo que tinha várias coisas gravadas em fita e CDR, o impacto foi imediato. Quando “The Exorcist “ começou a rolar, junto com aquele choque arrepiante que eu já estava habituado ao conhecer o KISS e o MOTORHEAD, me deparei com aquela insanidade peculiar que me tomou de assalto ao ouvir o “Show no Mercy” e “Beneath the Remains” pela primeira vez! A agressividade era latente e ao mesmo tempo mais sombria no transcorrer dos riffs…  era tudo muito cru e denso. E o resto foi história, fiquei sabendo que os caras eram pioneiros e aperfeiçoaram o tal metal extremo. Vamos a ela…

Lá em meados de 1983, Mike Sus e Mike Torrao, baterista e guitarrista respectivamente, estavam tocando em uma banda estilo Judas Priest, e de certa forma estavam descontentes com aquilo, visto que já ouviam bandas como Exodus, Slayer, Venom, e faziam parte da cena Bay Area como um todo, o que fez com o que ambos buscassem outra forma de música. Encontram o baixista e vocalista Jeff Becerra e a partir daí moldam o que seria o Possessed, na sequência encontrando um segundo guitarrista chamado Brian Montana.

Com essa formação abrem alguns shows do Exodus entre outros, e partem para primeira demo, “Death Metal” em 1984. Na sequência, participam da coletânea “Metal Massacre VI” da Metal Blade com a faixa “Swing of the Axe” e no ano seguinte através já da Combat Records, na coletânea “Speed Kills” com a faixa “Pentagram”

O debut álbum só viria em 16 de outubro de 1985, e contaria com a adição de Larry Lalonde na segunda guitarra e produção de Randy Burns, via parceria Relativy Records/ Combat Records.

A bolacha abre com “The Exorcist”, com a lendária intro de teclado de Mike Oldfield, executada por Randy Burns, levando em seguida o ouvinte ao seu pior pesadelo ao entrar o instrumental com riffs insanos, a bateria alternando entre o Thrash Metal característico mas com elementos de blast beat e viradas marcantes, as melodias de guitarra pegajosas são destaque absoluto na faixa, o que a torna de imediato o primeiro clássico do Death Metal mundial propriamente dito. “Pentagram” em seguida é uma faixa mais cadenciada e podemos aqui verificar algumas paradinhas e melodias que seriam incorporadas pouco depois em bandas consagradas do death metal, Morbid Angel por exemplo, em suas diversas atmosferas. “Burning in Hell” traz velocidades absurdas em composição em termos de guitarras, intercala com partes mais alternadas enquanto “Evil Warriors” é de uma característica mais marcada, mais próximo do Venom por exemplo. Fechando o lado A temos a faixa título, outro exemplo de como a banda consegue estabelecer quebra de padrões do Thrash  tradicional e transcender a algo mais que seria amplamente explorado mais tarde. Lembrando que “Seven Churches” se refere às sete igrejas mencionadas no livro de Apocalipse.

Abrindo o chamado lado B, “Satan’s Curse” consegue prender o ouvinte em seus riffs marcantes e solos que se destacam em velocidades pontuais, destaque total para a dupla Lalonde/ Torrao aqui, uma das melhores. “Holy Hell” segue no mesmo padrão e apresenta contratempos bem interessantes em longas partes instrumentais, onde o objetivo é dilacerar seu pescoço.

Um dos pontos altos, “Twisted Minds” apresenta visceralidade e velocidade que sintetiza muito bem a sonoridade que a banda busca como objetivo, e podemos notar em seus riffs cortantes e suas partes mais marcadas a influência que acabou exercendo na banda de “Max Possessed” e Cia pouco mais tarde em “Morbid Visions“ por exemplo. “Fallen Angel” é um Black metal por excelência, que poderia estar em um disco do Bathory, com seu clima mais atmosférico e denso, bem como as partes mais velozes intrínsecas ao estilo. Mais uma participação de Randy Burns nas notas de teclado. Finalizando em grande estilo, o hino “Death Metal” traz de cara uma maravilhosa levada de bateria de Mike Sus, com seus bumbos duplos e viradas em Ron tontons culminando em riffs inspirados e paradinhas mortais, destaque também para o refrão vociferado a plenos pulmões.

É muito abrangente a discussão de quem inventou o Death Metal, ou quem usou o termo pela primeira vez, mas aqui claramente temos elementos como já mencionados que ultrapassaram barreiras em termos de arranjos, velocidade, linhas vocais, composições, enfim, é notável a influência em bandas que surgiriam mais tarde como o Pentagram do Chile, Mortem, Morbid Angel, Incantation, Sepultura, Cannibal Corpse, entre várias outras, assim como o Mantas surgiu na mesma época e depois renasceu como Death e igualmente foi de enorme importância (o debut “Scream Bloody Gore” de 1987 também produzido por Randy Burns).

É unanimidade que os garotos da Bay Area fizeram história, mesmo com tão pouca idade marcaram pra sempre em sua curta trajetória o cenário do metal extremo. Sem dúvidas que as composições permeadas de blasfêmia, os riffs apocalípticos de guitarra de Mike Torrao e Larry Lalonde e seus arranjos estabeleceram novos padrões, os vocais caóticos e “alcoolizados” de Jeff Becerra moldaram um estilo e a levada infernal de Mike Sus mostrou o caminho em suas subdivisões e velocidade.

Por ironia do destino, a banda acabaria em breve, com cada um indo pro seu canto, Larry Lalonde passaria por bandas como Primus e Jeff Becerra teria um destino duro pela frente, sofrendo um ataque cruel de um covarde que o deixou paralisado em um assalto, e só saiu vivo por uma falha do revólver. Anos mais tarde, o heróico frontman se juntaria em parceria com a banda Sadistic intent, outro expoente do metal da morte, para frutíferas tours, inclusive passando por Porto Alegre em 2013, em um show devastador (apesar de vergonhosos problemas de produção), e posterior lançamento de inéditas mais tarde.

Seven Churches é um marco, obrigatório em sua prateleira, de preferência em todos os formatos. Te convido a comemorar o aniversário de lançamento de quarenta anos ouvindo em formato analógico para que os chiados da agulha se confundam com o abrir de uma garrafa de cerveja gelada como o metal da morte deve ser, um culto, e não exibicionismo desnecessário como temos muitos exemplos por aí em termos de produção, infelizmente.



AGNOSTIC FROST - ECHOES IN ETERNITY (2025)

 


AGNOSTIC FRONT
ECHOES OF ETERNITY
Napalm Records - Importado

Os primeiros segundos de “Echoes In Eternity” mostram que há muito mais coisas eternas além dos ecos — a fúria que o Agnostic Front carrega desde os tempos das ruas de Nova York parece simplesmente inesgotável. Bandas clássicas existem para soar clássicas, independentemente da era ou das tendências; e aqui, eles permanecem rápidos, ácidos e implacáveis até o fim.

Sem qualquer introdução ou aviso, vêm os gritos que cortam o silêncio do play:

The way of war!
Politician’s game!
Behind the walls!

A partir desse momento, o mundo se transforma em um gigantesco moshpit — um redemoinho de energia, suor e resistência que não dá trégua nos minutos seguintes. É o Agnostic Front reafirmando, mais uma vez, que a eternidade do seu hardcore é feita de honestidade brutal.

O início é tão frenético que as cinco primeiras faixas não passam dos três minutos cada — pisca, e acabou! A “épica” “A Matter Of Life & Death” (com participação de DMC) dura apenas 2 minutos e 25 segundos, mas impõe um ritmo mais cadenciado, um pé no freio que soa quase incomum dentro dessa tempestade sonora.

Algo que chama a atenção é o clima mais anos 90 que permeia o álbum. “Tears For Everyone” traz uma veia thrash metal, com riffs excelentes e uma pegada mais cortante. Já “Divided” é suja e crua, com guitarras soltas e vocais mais altos — feita sob medida para o palco, onde os backing vocals devem virar um coro furioso da plateia.

E então vem “Sunday Matinee”, uma faixa que poderia muito bem tocar na MTV dos tempos de ouro — um punk direto, fácil e grudento, com aquele espírito de união que só o hardcore sabe transmitir:

"Feel the music, we’re singing it loud
Feel the music, it’s moving the crowd
Feel the music, we circle around
Hear the sounds of the underground!

WE ARE ALL TOGETHER
At the Sunday Matinee!"

Caia para dentro da pista — porque o Agnostic Front quer a inquietude de seus ouvintes. “Turn Up The Volume” é surpreendente: um concentrado de tudo o que o álbum ofereceu até aqui — pé no acelerador, mãos para o alto, bate-cabeça e um refrão explosivo.

O crossover chega com “Art of Silence” — 41 segundos do mais puro caos controlado, direto e desconcertante:

"Feelings… NONE!
We are… DONE!"

Na sequência, “Shots Fired”, “Hell to Pay” e “Evolution Madness” mantêm o álbum em chamas. Três faixas com o tempero punk na medida certa: barulhentas, agressivas e viciantes, como se o tempo nunca tivesse passado — apenas amadurecido a paixão por aquilo que o Agnostic Front sempre representou.

A dupla final, “Obey” e “Eyes Open Wide”, encerra de forma primorosa o trabalho, deixando claro que “Echoes In Eternity” é um acelerado certeiro, feito para agradar em cheio à turma do moshpit. Todos aqueles prontos para entrar na roda são convidados especiais nessa nova fase da banda americana.
Um trabalho que traz diversão e conscientização.

William Ribas




CORONER - DISSONANCE THEORY (2025)


 

CORONER
DISSONANCE THEORY
Century Media Records - Importado

Se você é um fã de metal que esteve hibernando em uma caverna nas últimas semanas, talvez tenha perdido o evento sísmico: o Coroner está de volta. E não estamos falando de uma turnê de reunião para tocar os clássicos. Estamos falando de Dissonance Theory, o primeiro álbum de estúdio dos mestres suíços do technical thrash em longos, longuíssimos 32 anos. A pergunta que ecoou por toda a metalosfera foi: a espera valeu a pena? A resposta curta é: cada segundo. Para quem não conhece, o Coroner não é uma banda qualquer. Apelidados de "o Rush do thrash metal", o trio de Zurique sempre foi uma anomalia. Enquanto seus colegas de gênero nos anos 80 estavam ocupados cantando sobre satanismo e beber cerveja, o grupo estava dissecando política, depressão e estados de sonho com uma complexidade musical que fazia a maioria das outras bandas parecerem estar tocando com luvas de boxe. 

Álbuns como "Punishment for Decadence" (1988), "No More Color' (1989) e o divisor de águas "Mental Vortex" (1991) não apenas definiram o "technical thrash", mas praticamente lhe deram um PhD. Depois, veio "Grin' (1993), um álbum tão à frente de seu tempo, com suas texturas industriais e grooves sombrios, que o mundo não estava pronto. A banda, sentindo o baque comercial e o desgaste da cena, entrou em um hiato que durou até agora. Então, o que acontece quando esses professores do metal, agora beirando os 60 anos, decidem voltar ao estúdio?

"Dissonance Theory' não é uma viagem nostálgica. Como o próprio guitarrista Tommy Vetterli disse, ele não poderia escrever o debut R.I.P. (1987) novamente. E que bom que ele não tentou. Este álbum é a cara do Coroner em 2025: mais maduro, mais sombrio e com um senso de urgência palpável. A melhor descrição que li veio de uma crítica da Metal Hammer: é como "assistir a um físico molecular espancar todo mundo no pit". É brutalmente inteligente. O som se situa em um fascinante ponto de encontro entre a complexidade de "Mental Vortex" e a vibe industrial e atmosférica de 'Grin'. Há riffs que poderiam quebrar seu pescoço, cortesia da bateria implacável do novo membro Diego Rapacchietti e do baixo pulsante de Ron Broder (Royce), cujos vocais estão mais agressivos do que nunca, lembrando um Mille Petrozza (Kreator) furioso. Mas há também camadas, texturas e uma densidade sônica que exigem fones de ouvido de boa qualidade e sua total atenção.

O álbum flui como uma peça única, mas algumas faixas merecem menção. A abertura, "Consequence", já define o tom, abordando os perigos da inteligência artificial com uma dinâmica impressionante que vai de versos trovejantes a refrões inesperadamente cativantes. É o Coroner mostrando que está de olho no mundo moderno. A dupla "Symmetry" e "The Law" funciona como ‘cara e coroa’ perfeitos. A primeira é um thrash veloz e técnico que te deixa sem fôlego, enquanto a segunda é um groove cadenciado e introspectivo que te faz balançar a cabeça lentamente, antes de ambas explodirem em seções que invertem suas próprias lógicas. É a maestria da composição em plena exibição. E quando você acha que já entendeu o álbum, a faixa de encerramento, "Prolonging", te joga um solo de órgão elegante e totalmente inesperado. É a prova de que, mesmo após 40 anos de carreira, o Coroner ainda tem truques na manga. 

Dissonance Theory é um soco na cara da nostalgia barata e um dedo do meio enfático para a ideia de que o tempo enfraquece os grandes artistas. É um álbum que respeita o legado do Coroner sem se prender a ele, soando ao mesmo tempo familiar e incrivelmente novo. Para os fãs antigos, é um presente aguardado por três décadas que supera as expectativas. Para os novatos, é a porta de entrada perfeita para conhecer uma das bandas mais importantes e subestimadas da história do metal. Em um ano com tantos lançamentos, O trabalho não é apenas um forte candidato a álbum do ano no thrash metal, mas um marco para o metal como um todo. Os reis não estão mortos. Eles só estavam esperando o momento certo para reclamar o trono. E o fizeram com uma classe e uma fúria que só o Coroner poderia conjurar.

Jay Frost




1914 - VIRIBUS UNITIS (2025)


 

1914
VIRIBUS UNITIS
Napalm Records - Importado

O 1914 sempre foi mais do que uma banda: é uma cápsula de dor e história. Desde sua estreia, o grupo ucraniano transformou o horror da Primeira Guerra Mundial em arte extrema — não como espetáculo, mas como testemunho e lembrete. Em tempos em que a própria Ucrânia vive novamente sob o espectro da guerra, o 1914 entrega uma obra que é, simultaneamente, memória e advertência — um lembrete de que a história nunca morre, apenas sangra em novos campos.

Com Viribus Unitis, seu quarto álbum de estúdio, o grupo retorna com uma força ainda mais implacável, erguendo um monumento sonoro ao sofrimento, à resistência e à esperança. O título, em latim, significa “Com Forças Unidas” — e traduz com perfeição o espírito do novo trabalho: união diante da ruína, fraternidade diante do caos.

Enquanto os três primeiros álbuns concentravam-se na futilidade da guerra e na brutalidade das trincheiras, aqui a banda desloca o olhar para o que vem depois: a persistência humana, os laços forjados sob o fogo, o retorno quase impossível ao lar. Musicalmente, a banda preserva sua identidade: uma fusão destruidora de death metal, doom cheio de densidade e paisagens sonoras bélicas, onde cada explosão e cada ruído parecem ecoar de um campo de batalha esquecido.

Logo na abertura, “War In (The Beginning of the Fall)” lança o ouvinte em uma atmosfera de tensão crescente — o rádio antigo e o canto histórico funcionam como prelúdio, anunciando o colapso iminente. Em seguida, “1914 (The Siege of Przemyśl)” transforma um dos cercos mais sangrentos do início da guerra em puro death metal de trincheira: riffs massivos, vocais urrados como ordens de comando e versos que mesclam fervor religioso e desespero. A brutalidade segue em “1915 (Easter Battle for the Zwinin Ridge)”, onde a mistura de inglês e ucraniano reforça o contraste entre o horror universal e a identidade nacional — um verdadeiro hino à resistência.

“1916 (The Südtirol Offensive)” e “1917 (The Isonzo Front)” são panoramas épicos da destruição. A primeira retrata o avanço austro-húngaro sobre a Itália com cadência marcial, enquanto a segunda mergulha na carnificina, com um dos refrões mais sufocantes do disco: “Here only death is real.” É a filosofia da banda — a guerra como força inevitável, onde o heroísmo se dissolve em lama, bombas, riffs e sangue.

Para aumentar o impacto, a banda utiliza pequenos trechos de músicas e discursos da época, criando uma sensação de desorientação e tensão constante. A tríade de 1918 é o coração do álbum. “Pt. 1: WIA (Wounded in Action)” transmite o colapso físico e mental; “Pt. 2: POW (Prisoner of War)”, com Christopher Scott (Precious Death), expõe o inferno dos campos de prisioneiros com honestidade dolorosa; e “Pt. 3: ADE (A Duty to Escape)”, com Aaron Stainthorpe (ex-My Dying Bride), se destaca como uma das faixas mais emocionais da discografia do 1914 — uma fuga narrada entre delírio e fé, com o doom melancólico como pano de fundo.

O ápice humano do álbum surge em “1919 (The Home Where I Died)”, linhas calmas e cheias de emoção, com a participação de Jérôme Reuter (Rome). A música narra a história de um soldado que sobreviveu à guerra apenas para descobrir que ela ainda habita sua vida. O reencontro com esposa e filha é descrito com ternura e desespero — um instante de paz: “Com o amor como minha armadura, o Senhor será meu guia / Estou voltando para a Ucrânia.” São pouco mais de sete minutos — o fechamento perfeito para um álbum que fala tanto sobre o passado quanto sobre o presente, sobre uma nação que, mais de um século depois, ainda luta por sua sobrevivência.

“War Out (The End?)” traz novamente um trecho de música de época, que me fez lembrar do meu avô com seu radinho. Minha bisavó ucraniana saiu de sua terra para a Iugoslávia após a Primeira Guerra. Alguns anos depois, já com meu avô nascido, eles vieram para o Brasil. Após o último suspiro da faixa, confirma-se a inevitabilidade da guerra: o ponto de interrogação do título diz tudo!

Com Viribus Unitis, o 1914 atinge um novo patamar de maturidade e intensidade. As composições são mais dinâmicas, as texturas orquestrais adicionam peso emocional. Os contrastes dos vocais (limpos e errados) e as participações elevam o conceito a um nível épico. Mais do que uma sequência lógica em sua discografia, este é o álbum definitivo sobre trauma e fé na humanidade em meio à destruição.

William Ribas






MOONSPELL - OPUS DIABOLICUM (2025)


MOONSPELL
OPUS DIABOLICUM
Napalm Records - Importado

Quando o peso do metal encontra a pompa da música clássica, o resultado pode ser grandioso — mas quando essa fusão vem das mãos do Moonspell, ela se torna algo quase litúrgico. “Opus Diabolicum”, o primeiro concerto sinfônico da banda portuguesa, realizado em 26 de outubro de 2024, no MEO Arena, em Lisboa, é mais do que um simples registro ao vivo: é uma celebração da identidade sombria e profundamente lusitana que o grupo construiu ao longo de mais de três décadas.

Acompanhados pela Lisbon Sinfonietta Orchestra, sob a regência do maestro Vasco Pearce de Azevedo, Fernando Ribeiro e companhia entregam uma performance monumental que revisita boa parte da fase moderna da banda, com especial destaque para o álbum “1755”, transformado aqui em uma verdadeira ópera do apocalipse.

O prelúdio “Tungstênio” abre o espetáculo como uma invocação, com apenas a orquestra preparando o terreno para “Em Nome do Medo”, cuja intensidade cresce em ondas, guiada pela dramaticidade da voz de Fernando e pela força combinada entre orquestra e coral, que amplifica o sentimento de fatalismo — um trio de abertura denso e envolvente. Em seguida, “1755” surge com imponência, e em “In Tremor Dei” o ar bombástico já demonstra que a sinergia entre todos os envolvidos estava afiadíssima naquela noite. O público dá um show à parte, cantando o refrão com uma energia absurda.

“Desastre” conduz a plateia ao coração do conceito: o colapso físico e espiritual da Lisboa pós-tragédia, emoldurado por arranjos que soam tão grandiosos quanto trágicos. O casamento entre o peso do instrumental do Moonspell e as linhas hipnóticas da orquestra confere ao concerto um ar cinematográfico e quase teatral. Aliás, é fascinante notar como todas as músicas ganham uma aura épica fora do comum, ampliando ainda mais a dimensão emocional do trabalho.

A sequência com “Ruínas”, “Breathe (Until We Are No More)” e “Extinct” reforça o caráter da linha tênue entre o passado e o presente — criando um contraste fascinante entre destruição e renascimento. O material, carregado também por “Proliferation” e “Finisterra”, expande essa atmosfera com refinamento e densidade, enquanto o público se deixa envolver pelo ritual sonoro que a banda ergue a cada nota despejada.

Na reta final, clássicos absolutos como “Everything Invaded”, “Scorpion Flower” e “Vampiria” ganham nova dimensão com o acompanhamento orquestral — e quando chegam “Alma Mater” e “Fullmoon Madness”, o MEO Arena se transforma em um verdadeiro templo. São músicas que transcendem o tempo, agora envoltas por uma grandiosidade quase sacra — uma gravação definitiva, encerrando o espetáculo com um impacto emocional que só o Moonspell é capaz de provocar.

E é nesse ponto que “Opus Diabolicum” revela sua verdadeira essência: não é apenas a fusão entre a música pesada e a música clássica, mas a continuidade natural de uma jornada que começou em “Wolfheart” e agora atingiu a imortalidade artística — a mesma melancolia obscura, a mesma chama romântica que o Moonspell sempre carregou consigo — uma combinação rara de escuridão e sensibilidade, como se o gótico e o fado se encontrassem sob o luar de uma Lisboa eterna. Tudo é vivido, sentido e interpretado de maneira devastadora, transformando a audição em uma experiência ímpar.

A prova de que o Moonspell transcendeu, tornando arte em estado puro — som, dor, beleza e tragédia fundidos em harmonia perfeita.

William Ribas





 

SOULFLY - CHAMA (2025)

 


SOULFLY
CHAMA
Shinigami Records/Nuclear Blast - Nacional

O 13º capítulo do Soulfly é o som do fogo vivo do metal — e Max, mais uma vez, prova que ainda é ele quem mantém a chama acesa. É indiscutível sua importância para a música pesada brasileira. Pra mim? O maior nome — e o tempo, junto de cada novo momento de sua vida, só prova mais e mais isso.

Há discos que queimam como brasas… e há aqueles que incendeiam tudo ao redor. “CHAMA” é exatamente isso: um trabalho em combustão constante, caos em estado puro. Um disco que retorna ao coração do vulcão criativo que move Cavalera desde o início. O resultado é uma obra feroz, vibrante e ancestral — um grito que vem das entranhas da Terra, das favelas e das florestas, ecoando até os palcos do mundo.

O som do disco é uma mistura perfeita entre os primórdios do Sepultura (cru, ríspido e old school) e o lado tribal, percussivo e místico dos primeiros passos do Soulfly. Temos o groove tribal dos primeiros anos, algo entre “Prophecy”. O peso direto de “Conquer”, “Enslaved” e “Totem” e a sujeira industrial de “Nailbomb”. Tudo junto, em uma produção viva e orgânica. Max revisitou o punk e o caos com o Go Ahead and Die, regravou clássicos do Sepultura e reafirmou o vínculo quase espiritual que tem com sua própria história. O novo álbum do Soulfly não é uma volta ao início — é um reencontro entre dois passados.

Max sempre teve esse “lance família” e a presença constante de amigos no Soulfly. Essa camaradagem, que transformou dor em energia e música em rito desde o pontapé inicial, continua sendo um dos mandamentos sagrados da banda. Produzido por Zyon Cavalera, dá pra sentir a conexão entre pai e filho em cada batida, em cada riff. O som é cru, quente, vivo — uma chama que consome durante as 10 faixas.

Zyon, que já está há alguns anos na banda, mostra aqui um crescimento impressionante. Quando precisa sentar a mão, com viradas precisas e linhas cheias de pegada, o garoto tem todas as cartas na manga e imprime uma criatividade surreal — entregando, sem dúvida, o melhor trabalho de bateria da discografia do Soulfly.

Desde a abertura com “Indigenous Inquisition”, o ouvinte é lançado num cenário de percussões tribais e ruídos industriais que lembram os tempos de “Primitive”, mas com uma fúria mais espiritualizada. Max invoca nomes de tribos extintas e transforma o lamento em resistência. É o início perfeito para o que vem a seguir.
“Storm The Gates” chega como um soco na “fuça” — uma avalanche de groove, thrash e energia primitiva. É o Soulfly em sua forma mais pura, com riffs colossais, batidas hipnóticas e aquela sensação de que a selva está viva dentro do som.

A mixagem suja e analógica é como um golpe certeiro, trazendo ainda mais impacto e brutalidade às músicas. Um detalhe importante: os batuques estão lá para completar o todo, não para dominar as faixas. Se o ritmo tribal combina, ele entra — se não, não há necessidade. É equilíbrio, não vício.

Em “Nihilist”, com participação de Todd Jones (Nails), o caos toma o controle. A música começa rápida e brutal, mas depois desacelera, tornando-se ainda mais pesada — como um tanque passando por cima de tudo.
Logo vem “No Pain = No Power”, com Dino Cazares (Fear Factory), que adiciona uma pegada industrial e mecânica grudenta. Os vocais alternam entre gritos e melodia, e o refrão é hipnotizante, um mantra a ser repetido.
Na sequência, “Ghenna” traz Michael Amott (Arch Enemy) em um solo espetacular, transformando a faixa em um redemoinho técnico e melódico que equilibra destruição e beleza em doses perfeitas.

“Black Hole Scum” é pura agressividade — distorções, ruídos e compressores no limite. É o som de um colapso controlado, uma muralha de peso que arrasta tudo. E quando parece que não há mais fôlego, surge “Favela – Dystopia”, escrita com Igor Amadeus Cavalera: um tributo furioso à vida dura das ruas brasileiras. É como se Nailbomb e Slayer se “trombassem” na quebrada — e o resultado é uma destruição devastadora.

“Always Was, Always Will Be” mergulha num clima sombrio e psicodélico, cheio de sussurros e transições imprevisíveis, preparando o terreno para “Soulfly XIII”, o tradicional momento instrumental da banda. Introspectiva e ritualística, a faixa é como um breve respiro antes do fim — a alma livre de Max Cavalera, com fé e propósito.

E então vem a faixa-título — um encerramento poderoso, que começa com pura brutalidade, uma overdose de riffs, e termina em clima quase transcendental. Zyon dá show nos minutos finais.
É o fogo virando luz. É a essência de Max — profeta do caos.

O disco não tenta reinventar a roda; ele reafirma o que o Soulfly sempre foi: um elo entre o sagrado e o brutal, entre a terra e o aço. “CHAMA” é um lembrete de que o fogo de Max Cavalera ainda queima com a mesma intensidade de quando ele mudou o metal nos anos 80. É música como arma, como cura e como espírito.

Ardente. Instintivo. Espiritual. Brutal.

William Ribas




EXKIL - VIOLENCE PREVAILS (2025)

 


EXKIL
VIOLENCE PREVAILS
Independente - Nacional

Quando uma banda jovem decide lançar o primeiro álbum completo, o risco é grande: cair na repetição ou se perder entre a nostalgia. O Exkil, de Piracicaba/SP, não apenas evita essas armadilhas — ela as destrói.
Com “Violence Prevails”, o grupo entrega um trabalho que é mais do que um pontapé poderoso e certeiro: é uma voadora escancarando a porta, um soco na mesa e uma prova de que o metal pesado brasileiro ainda pode surpreender com identidade.

Formado em 2021 por Daniel Ferrante (vocal e guitarra), Gabriel Bunho (guitarra), Evandro Tapia (baixo) e Evandro Kandalaft (bateria), o Exkil consolida seu som — coeso, robusto e moderno — sem abrir mão da essência old school que molda a alma da banda.
A produção é densa e agressiva na medida certa, sustentando o caos com precisão cirúrgica.

A jornada começa de forma cinematográfica, com “Oblivion”, uma abertura instrumental que mergulha o ouvinte em um clima sombrio. E então, “Drive You Nuts” explode como um tiro — energia crua, pura adrenalina, perfeita para detonar em cima do palco.
A faixa-título chega como um grande hino: groove destrutivo, refrão poderoso e uma crítica direta à manipulação e às fake news que alimentam nossa realidade atual.
Em “Titans Rising”, a participação de Marcello Pompeu (Korzus) amplifica o impacto — e a bateria de Kandalaft soa como uma metralhadora. O relato de um soldado enlouquecido pela guerra, narrado com peso e fúria, carrega uma intensidade ímpar.

“Blood Fueled Desires” e “Intoxicate” expandem o território, misturando brutalidade moderna, blast beats e variações rítmicas que remetem a nomes como Havok e Evile, mas com um DNA inconfundivelmente brasileiro — quente, direto e impiedoso.
“Nothing Shall Remain” traz maturidade: riffs frenéticos e uma linha instrumental implacável que remete à fúria de World Painted Blood e Repentless, do Slayer.
“For The Frightened” mergulha o som da banda em um caos absoluto, guiado pelas cicatrizes psicológicas deixadas pela guerra.

O trio final é surpreendente. “Mistreat” revela o narcisismo autodestrutivo; “Reckoning” marca o ponto de virada — o confronto do indivíduo com seu arrependimento; e o encerramento com “Lies” é simbólico e cortante — mentiras repetidas até virarem verdades.
É o fecho perfeito para um álbum que não foge da crítica nem do desconforto — e que mostra o lado mais surpreendente de uma banda que “acabou de nascer”.

Enquanto o início, para a maioria, seria de homenagens aos heróis que estão nos pôsteres, o Exkil pisa fundo no acelerador, imprimindo personalidade em um disco que não apenas impressiona — ele mostra que a violência prevalece em seus 52 minutos de duração.

Como diria o saudoso narrador Silvio Luiz:
“É mais um gol brasileiro, meu povo!”

William Ribas




VOLÚPIA - DEJA-VÚ (2025)

 


VOLÚPIA
DEJA-VÚ
Independente - Nacional

Imagine-se no ano de 1984, no meio do “boom” do Heavy Metal, e aqui no Brasil, mais especificamente na cidade Porto Alegre – RS, você montar uma banda com alguns amigos, criar músicas próprias e inclusive conseguir gravar uma faixa em LP numa coletânea de bandas locais. Mas daí, pelas responsabilidades da “vida adulta” e não poder viver do “sonho metálico”, a banda se desfaz em 1989.

Mas às vezes o destino prepara uma segunda chance e o Volúpia retornou às atividades em 2016, com a mesma vontade de décadas atrás. A formação contando com três membros originais: Cesar “Five” Louis (bateria), Ricardo Lampert (baixo) e Marco Canto (vocal). Completa o time o guitarrista Luciano Reis. Após uma série de shows muito bem recebidos, inclusive com uma nova geração de fãs, chegou a hora de produzir o tão sonhado álbum

Déjà-vu” , lançado agora em Outubro de 2025, é um álbum feito sob medida para quem gosta de Heavy Metal /Hard Rock de qualidade e na sua forma mais pura. O que logo salta aos olhos é a qualidade da produção, onde a parte das cordas e vozes ficaram à cargo do guitarrista Luciano Reis, no estúdio Casa dos Gatos, enquanto as baterias foram gravadas no estúdio Green e a mixagem final no LST Records com Lucas Santorum, resultando um trabalho cristalino onde se destacam todos os instrumentos.

As letras em português, tratam de temas do cotidiano, e mesmo tendo mais de trinta e cinco anos a maioria delas, ainda soam atuais, como é o exemplo de “Poderes e Forças”. O álbum abre com uma introdução que leva o nome do álbum, uma bela faixa de teclados, aqui gravados por Gabriel Cardoso, que também participa das faixas “Noite” e “Brilho de Luz”. “Rebelião” é aquela faixa de Heavy Metal clássico, com um contagiante riff de guitarra que nos remete ao Iron Maiden. A já citada “Poderes e Forças” algo de Dio solo, enquanto “Brilho de Luz” mais melódica e com um grande trabalho vocal de Marco Canto, se aproxima das melhores faixas do Dokken.

“Louca Juventude” mostra muita influência do Black Sabbath fase Dio. "A Noite” vem também numa pegada bem Hard Rock oitentista, com um solo espetacular de Luciano Reis. Já “Lembranças” tem uma levada meio KISS anos 80, uma excelente faixa. “Adrenalina” é a faixa que fecha o trabalho, e é a música mais recente, que foi composta especialmente para o álbum. Nela temos a participação do guitarrista Carlos Panzenhagem (ex-Barata Oriental).

O pacote completo fecha com a excelente arte da capa, criada por Rômulo Dias. Nela vemos um cara com aspecto já “senhoril”, se olhando no espelho e enxergando o seu eu do passado, jovem e ainda cabeludo. Retratando muito o sentimento da banda Volúpia e do seu “Déjà-Vu” . Um álbum excelente que deve ser apreciado por todos que apreciam o Heavy Metal/Hard Rock feito com alma e coração. Procure os perfis da banda no Instagram e Facebook e solicite a sua cópia. Garanto que vale muito!

José Henrique Godoy






EXODUS - "BONDED BY BLOOD - 40th ANNIVERSARY" - 09/10/2025 - CARIOCA CLUB - SÃO PAULO/SP


 

EXODUS
"BONDED BY BLOOD - 40TH ANNIVERSARY"
Abertura: THROW ME TO THE WOLVES
CARIOCA CLUB
09/20/2025
SÃO PAULO/SP

Texto e fotos: William Ribas


Muitas vezes escrevi em resenhas de shows a expressão “A Night to Remember”. E, de fato, há momentos em que estar diante de bandas que marcaram a nossa adolescência faz tudo se tornar inesquecível. Na fria noite de quinta-feira, 9 de outubro de 2025, o Carioca Club encarnou um pouco da essência do excelente filme Rock Star — aquele toque de "dreams come true" que faz o impossível parecer real.

Um show do Exodus, seja comemorando o aniversário de um álbum, seja apenas “passando” pelo Brasil, já é motivo suficiente para deixar qualquer fã sorrindo de orelha a orelha. Mas o anúncio de que Bonded by Blood seria executado na íntegra transformou tudo em um verdadeiro dever cívico para todos. Ainda mais com Rob Dukes de volta aos vocais — um velho chapa de todos, que, inclusive, detonou na regravação do álbum em 2008.

Resultado: casa lotada — ou melhor dizendo, abarrotada.

Bares cheios, metal rolando nos alto-falantes — o lado de fora já transbordava magia. Pouco antes das 19h50, era hora de entrar e prestigiar a banda de abertura. Confesso que, na minha mente, o Throw Me to the Wolves tinha uma tarefa árdua pela frente. Mas bastaram cinco segundos da banda no palco para que eles já tivessem o campo completamente dominado.

Diogo Nunes (vocal), Gui Calegari (guitarra), Fabrício Fernandes (guitarra), Fábio Fulini (baixo) e Maycon Avelino (bateria) desfilaram um death metal melódico com algumas pitadas de metalcore por pouco mais de 30 minutos. O quinteto possui uma massa sonora impressionante — a abertura com “Chaos” (não existe palavra mais apropriada para esta noite, diga-se de passagem) já mostrou a que vieram.

O primeiro impacto é ver Maycon destruindo o kit de bateria com precisão e fúria — o cara simplesmente não tem dó. O segundo é perceber como, ao vivo, o equilíbrio entre a brutalidade do death metal e as passagens melódicas é fascinante. A sequência com “Tartarus”, “Days of Retribution” e “Fragments” prendeu o público, que, mesmo diante de uma nova descoberta (acredito que para a maioria presente), batia cabeça e aplaudia com entusiasmo a cada final de música, mostrando total apoio.

Diogo é um vocalista inquieto, um frontman completo — berra, domina o palco e sabe como trazer os fãs para perto. O encerramento com “An Hour of Wolves” e “Gaia” deixou um saldo mais que positivo, consolidando o nome do Throw Me to the Wolves como uma das grandes revelações do metal nacional.


Hora dos roadies, dos backdrops sendo trocados e da ansiedade tomando conta — afinal, estávamos prestes a ter mais uma lição de violência. Quando o pano com os gêmeos ao fundo se ergueu, foi inevitável não voltar no tempo. E, junto disso, o pensamento em um grande amigo que não pôde estar no show — e nossa eterna discussão: “Bonded by Blood ou Let There Be Blood?” Qual é o melhor? Fico sempre com a segunda opção (risos).

Para amplificar ainda mais a nostalgia, a intro veio com os discursos de Paul Baloff — o eterno grito de guerra contra os falsos: “Death to posers!” Toda a incitação ao thrash metal e ao caos ecoava como um chamado ancestral. Uma tempestade de riffs chegou com a agressividade da faixa-título, e acredito que o refrão deve ter sido escutado a quilômetros de distância.

O Exodus vinha desfalcado — o baixista Jack Gibson teve que retornar aos Estados Unidos por problemas familiares. E, como deve ser, família em primeiro lugar. As primeiras cinco músicas do set foram tocadas por Steve Brogden, cuja presença de palco combinou perfeitamente com a linha de frente da banda. Aliás, Lee Altus, Gary Holt e Dukes são verdadeiros maníacos no palco. Não há um único segundo em que o trio não provoque os fãs a abrirem rodas. “Exodus”, “And Then There Were None”, “A Lesson in Violence” e “Metal Command” foram tocadas com uma agressividade pura.


Tom Hunting, a cada ano que passa, fica mais velho — e mais absurdo também. Carismático e brutal. A turnê se chama 40 Years of Blood, mas nem por isso outros momentos seriam ignorados. “Iconoclasm” chegou como uma grata surpresa — e, junto dela, um dos momentos mais incríveis da noite.

Na falta de Gibson, o Exodus resolveu chamar, além de Steve, o baixista Gerson Polo — integrante do cover oficial da banda no Brasil, o Funeral Blood — e o cara detonou!

A clássica “Blacklist” manteve o ambiente hostil: rodas, pessoas passando por cima, braços erguidos — inclusive, a música trouxe um momento descontraído, enquanto Gary tomava sua cerveja (sem álcool), Dukes mantinha as palhetadas e Steve surgia para conduzir as notas no braço da guitarra. Depois de subir algumas décadas, veio novamente o lado jurássico: “Fabulous Disaster” (que surpresa maravilhosa, hein!). O lado mais melódico e calmo dos dedilhados iniciais de Holt em “No Love”, em certa parte, trouxe alguns minutos de “paz” — obviamente, não durou muito. “Deliver Us to Evil” mostrou que Dukes e Lee não queriam ver a adrenalina baixar; muito pelo contrário — a cada pedido de rodas, mais próximos do inferno nos encontrávamos.


A energia estava tão alta que foi preciso chamar seguranças à frente do palco para evitar problemas. A noite era de clássicos, certo? Então “Piranha” veio com mais surpresas: o vocalista Fábio Seterval, também do Funeral Blood, dividiu os vocais com Rob Dukes. Nos aproximávamos do final com “Brain Dead”, “Impaler” (essa levantou até defunto) e a “valsa tóxica”.

Quem já presenciou os americanos outras vezes sabe que “The Toxic Waltz” traz consigo leves brincadeiras — como “Raining Blood” (Slayer) e “Motorbreath” (Metallica). Ela é perfeita para ser o pontapé do momento que todos ali ansiavam: “Strike of the Beast”.

E então, o caos se instaurou de vez. O refrão ecoava como uma sentença:

Time to run or fight
Off the strike of the beast
If you fail you'll be
The hellish demon's feast

A catarse final de uma noite que beirou a insanidade. O Exodus entregou o que todos esperavam: velocidade, brutalidade e uma conexão quase tribal com seus fãs.

Ao fim, o cansaço e as dores pelo corpo mostravam o que todos sabíamos: havíamos testemunhado mais do que um show. Foi um ritual. Uma celebração ao thrash metal, a Paul Baloff, Zetro Souza e a todo o legado do Exodus — em seu estado mais puro.


quarta-feira, 1 de outubro de 2025

MICHAEL SCHENKER GROUP - DON'T SELL YOUR SOUL (2025)

 


MICHAEL SCHENKER GROUP
DON'T SELL YOUR SOUL
earMusic - Importado

SCHENKER IS GOD! A resenha poderia acabar por aqui e não teríamos nenhum problema pois a verdade já estaria escrita. No entanto, o mestre Michael Schenker decidiu, após o espetacular "My Years with UFO", gravar mais um trabalho e dessa vez com o seu MSG (MICHAEL SCHENKER GROUP) e nos traz 11 composições onde a classe e o talento se encontram de forma sublime. Mas isso não é novidade, pois estamos falando daquele que talvez seja (na opinião desse que vos escreve, é) o maior guitarrista alemão de todos os tempos. DON'T SELL YOU SOUL é o título do álbum e a faixa que dá nome ao trabalho foi apresentada pela primeira vez no último Wacken Open Air. Schenker parece incansável, e mais uma vez cercado por excelentes instrumentistas, com destaque para o excepcional Erik Grönwall (ex-Skid Row), nos brinda com um álbum que promete ser a segunda parte de uma trilogia iniciada no trabalho anterior. E parece que resgatar seus principais momento com seu antigo grupo, o alemão conseguiu resgatar nesse trabalho aquela aura 70's que tão poucos artistas conseguem reproduzir sem soar forçado.

Schenker está acompanhado pelo já citado Erik, Steve Mann (guitarra e teclados), Barend Courbois (baixo) e Bodo Schopf (bateria). Mas temos também participações especiais dos vocalistas Robin McAuley (companheiro de longa data de Schenker), Roberto Dimitri "Lia" Liapakis e Michael Voss, sendo que este último, dividiu também a produção com o guitarrista. Não é preciso dizer que tudo está no lugar, que todos instrumentos estão impecáveis e que tudo soa limpo e cristalino. Só que se isso causa a impressão de que a produção está limpa, pasteurizada demais... pode esquecer. As guitarras soam como devem soar, pesadas, intensas e cheias de felling, algo que é marca registrada de Schenker, que obviamente, desfila sua classe e elegância ao longo das onze faixas que compõem o trabalho.

A faixa título abre o álbum e logo de cara podemos sentir aquela atmosfera tipicamente anos 70, com riffs e baixo galopantes e uma melodia simples e eficiente, enquanto a cozinha composta por Barend e Bodo mostram que experiência faz a diferença. Erik, por sua vez, navega por ondas diferentes, com vocais mais introspectivos, numa ótima performance. Já a segunda faixa, "Danger Zone", resgata as características comuns ao Hard/Heavy dos anos 80: levada marcada, guitarras com riffs certeiros e vocais bem encaixados. Schenker detona um solo muito bonito aqui, com toda personalidade que só um gênio poderia: simples, eficiente e melódico. "Eye of the Storm" traz a participação de RobinMcAuley é uma composição mais pesada, conduzida pelo baixo/bateria de forma consistente, enquanto McAuley empresta toda sua classe à faixa, que carrega consigo aquela clima "Into the Arena" (guardadas as devidas proporções). Um dos destaques do álbum! Baixo e guitarra iniciam num clima intimista "Janey the Fox", que se transforme em uma faixa simples e discreta, destoando um pouco das demais, ainda que os riffs sejam precisos e consistentes. Então temos "I Can't Stand Waiting", um classic rock típico, bem ao "way of play" de Schenker. Clima meio anos 80, melódica e passagens bem diversas mostram a classe e versatilidade do grupo de forma coesa.

"Sign of Times" é aquele "rockão classudo", que sempre está presente nos trabalhos do guitarrista. MichaelVoss assume os vocais que se encaixaram perfeitamente no andamento da faixa, em outro momento que Schenker nos lembra (como se fosse preciso) que no dream team das guitarras, é ele e mais dez! Na sequência, "The Chosen" traz uma atmosfera meio Rainbow dos anos 70, de forma mais sombria e até mesmo densa, ela ganha mais intensidade e velocidade do meio pro fim, com um solo eletrizante. E temos mais um "rockão" em "It's You", recheada de ótimos riffs, e que provavelmente é cantada por Liapakis, pois o timbre difere muito do de Erik e McAuley. Independente disso, a faixa transborda inspiração e é outro momento de destaque. Aliás, McAuley volta em "Sixtrings Shotgun", faixa que me lembrou um pouco Scorpions, seja pelo vocal, seja pelo andamento característico. E acredito que não seja preciso lembrar, mas vá lá: Schenker também empunhou as seis cordãs dos escorpiões, então... "Flesh and Bone" vem em seguida e nos mostra que o rock n' roll quando está no sangue, não há vacina, antídoto ou veneno que o tire! Que faixa sensacional! Um quê de AC/DC nos riffs, mas solos carregados de energia mostram que estamos diante de uma faixa que não pode ficar de fora dos próximos show! O encerramento vem com "Surrender", uma faixa veloz, intensa, quase um power metal! Mas segue a linha Hard/Heavy que sempre permeou a carreira do MSG. Um final digno de álbum de excelente nível.

DON'T SELL YOUR SOUL é a prova viva de MICHAEL SCHENKER tem ainda, muita, mas muita lenha pra queimar. Talento, classe e feeling não se compram em qualquer esquina ou farmácia. E o próprio título do álbum entrega: Não venda sua alma! Sim, não é necessário isso quando se tem o tal do Rock no sangue! Longa vida a MICHAEL SCHENKER!

Sergiomar Menezes






NO PRAYER FOR THE DYING - 35 ANOS

 


OS 35 ANOS DE NO PRAYER FOR THE DYING - AMADO POR UNS, DEIXADO DE LADO POR OUTROS

Por William Ribas

O meu primeiro contato com No Prayer For The Dying não foi direto com o álbum. Cheguei a ele por atalhos: primeiro com A Real Live One (1993), que ouvi em 1994, onde “Tailgunner” e “Bring Your Daughter… To The Slaughter” já estavam lá me chamando atenção; depois com o clipe de “Holy Smoke” que passou no Fúria Metal do Gastão Moreira. Dessas três, “Holy Smoke” virou a minha favorita — sempre tive aquele sonho de vê-la ao vivo. Mas esse sonho foi sepultado de vez na atual turnê Run For Your Lives, onde a banda simplesmente “chutou o álbum para fora da sua discografia” e comemorações.

Quando finalmente ouvi o disco do início ao fim, confesso: foi estranho. Eu vinha de uma maratona da fase de ouro, de The Number of the Beast até Seventh Son of a Seventh Son, uma sequência impecável que parecia intocável. Então comprei o álbum e, mesmo que “Tailgunner” começasse forte, o único pensamento foi: “peraí, é a mesma banda?”. O som era cru, sujo, sem aquela atmosfera épica que eu já esperava do Maiden. Em alguns momentos, as partes marcantes estavam lá. As camadas épicas, os “solos gêmeos” cheios de melodias ainda faziam parte do DNA de uma banda que resolveu ser simples — a volta ao jeans e as jaquetas de couro. Como se o Maiden ainda pertencesse aos becos de Londres de Iron Maiden e Killers.

Na época, isso me soou quase como uma decepção. Ironicamente, hoje eu até gostaria que algumas músicas novas da banda tivessem essa mesma crueza e simplicidade — que não passassem dos seis minutos de duração (Como é em No Prayer For The Dying). Ainda assim, o disco guarda bons momentos: a melodia triste da faixa-título, o humor de “Hooks in You” e, claro, “Holy Smoke” e “Bring Your Daughter...”. Até as canções menos lembradas, como “Public Enema Number One”, “Fates Warning” e “Run Silent Run Deep”, carregam aquela marca registrada da Donzela de Ferro, a entrega visceral de Dickinson. “Mother Russia” consegue prender, com toda a sua ambição de ser o grande épico e, sim, é um excelente encerramento para o disco.

Curiosamente, na turnê de divulgação, a banda não deu bola para as críticas: foram nada menos que sete músicas do disco tocadas ao vivo — “Tailgunner”, “Public Enema Number One”, “Holy Smoke”, “The Assassin”, a faixa-título, “Hooks in You” e “Bring Your Daughter... To The Slaughter”. Ou seja, o Maiden acreditava no material na época.

Três décadas e meia depois, continuo vendo No Prayer For The Dying como um disco de contrastes. Tem gente que adora, tem gente que só deixa na estante para completar a coleção. Foi o primeiro sem Adrian Smith e, mesmo com Janick Gers dando seu melhor, a química ainda não existia (ou continua não existindo?). No Prayer For The Dying nunca vai estar no topo da lista dos maiores clássicos do Maiden. Mas também não merece ser jogado de lado. Ele mostra uma banda gigante tentando se reinventar sem saber exatamente o rumo. Para alguns, foi uma queda depois da fase dourada. Para outros, um álbum que, justamente por ser imperfeito, tem seu valor e merece ser revisitado.

No fim das contas, é parte da história. E é essa mistura de falhas, acertos e honestidade que faz de No Prayer For The Dying um disco tão curioso mesmo depois de 35 anos.

Up the Irons!