Um encantador mundo
musical forjado nos sonhos, na magia e na poesia – um mundo onde os delírios
existem e são permitidos. Onde o extraordinário e a vida coexistem na mesma
melodia. É esse o mundo, ou melhor, é essa a personalidade musical mística e
tangível do arauto mor do Folk Metal brasileiro, o TUATHA DE DANANN. Com mais
de 25 anos de carreira, a banda se prepara para lançar seu sétimo álbum, “In
Nomine Éireann” – mais uma declaração de amor a cultura irlandesa e todas as
suas mitologias e tradições. Conversamos com a mentor Bruno Maia, que numa
lição de humildade e carisma nos revelou detalhes sobre o trabalho: produção,
composições, contexto histórico e muito mais. Sirva sua bebida favorita e boa
leitura– onde as histórias são reais e os seres imaginários.
Por: William Ribas
Rebel Rock: O sétimo
disco do Tuatha, “In Nomine Éireann”, está chegando ao público nos próximos
dias. Por mais que estejamos no meio de pandemia, onde o recomendável é o
distanciamento, o novo álbum possivelmente seja um “livro aberto” devido o
financiamento coletivo que vocês adotaram. Primeiramente, como surgiu a ideia
de ter os fãs como sócios nessa nova empreitada?
Bruno: Pois é,
quem diria que enfrentaríamos uma pandemia mundial? Como todos no mundo, a
pandemia afetou muito nossas vidas e mesmo a produção do disco. Por conta das
restrições, nossa própria conduta em relação ao isolamento social e tudo mais,
mas como tínhamos este disco para fazer, ele até ajudou a amenizar os efeitos
psicológicos da mesma, principalmente para mim, pois eu produzi o disco e
gravei um tanto de instrumentos, arranjei e praticamente morava dentro do
estúdio. Bem, a ideia do financiamento veio do Edgard, ele sugeriu fazermos um
plano com a galera que nos acompanha para que eles pudessem ver o processo de
gravação e produção do disco como um todo. Daí a gente montou uma pré-venda do
disco com shows etc. E foi demais! Teve muita adesão, ficamos muito felizes e
agora o bicho taí: “In Nomine Éireann”.
Rebel Rock: Como foi
essa experiência de viver quase que um “Big Brother Brasil”, tendo que produzir
o material para o álbum, e também de bastidores para quem apoiou?
Bruno: Eu sou
meio jacu com esses trens de tecnologia, internet etc. Sou até muito ativo no Facebook,
mas tenho internet e mesmo câmera no meu celular há apenas um ano. Por isso, eu
apanhava muito para configurar as coisas, fazer certinho, mas deu certo. A
proposta era um lance bem intimista, nada super produzido, era o trem do jeito
que ele é, na unha. Eu achei muito massa o lance, pois acabei conhecendo muitas
pessoas que nos acompanham e pude falar com elas diretamente, saber de suas
impressões, conversar sobre música, literatura, cinema, política e tudo mais. A
gente pode sentir o carinho de todos, a questão que fazem a banda existir e
soubemos de muitos casos em que nossa música e letras foram importantes para
algumas dessas pessoas em determinados momentos de suas vidas. Foi demais! Este
apoio que tivemos sinalizou que a banda é querida e tem muita força, que
alcança e comove e isso nos incentiva a seguir essa trilha louca que é fazer
música não comercial no Brasil.
Rebel Rock: Todo
mundo que acompanha a banda de uma certa maneira sempre aguardou um trabalho
totalmente voltado para música Irlandesa. São 26 anos de fundação, o que se fez
na cabeça de vocês para escolherem 2020, para ser o momento certo para prestar
um belíssimo tributo a música celta/folk da Irlanda?
Bruno: Desde o
primeiro dia em que fundei a banda era para ser um lance autoral. Até tocávamos
muitos covers em shows, mas a banda nasceu, desde o primeiro ensaio tocando
música própria. Como já temos muitos discos, nos shows não cabem nada que não
seja conteúdo autoral, até falta tempo para incluir mais músicas nos sets. Mas,
no fundo, eu sabia que um dia faria isso, um disco de música irlandesa e, na
verdade, o disco era para o ano passado, mas tivemos muitos shows e
participamos de outros projetos e tudo acabou demorando mais. Daí veio o
Corona, aí já viu….
Rebel Rock: “In
Nomine Éireann”, é um título que entrega toda paixão que as 11 faixas
demonstram a cada nota executada. Quando começou esse caso de amor pela
cultural Irlandesa?
Bruno: Cara, faz
tempo! Desde que eu morava em BH e era pequeno. Eu me encantei pelo povo celta
a partir do Rei Arthur. O Rei Arthur me levou à mitologia celta que me fez pousar
na Irlanda. O país foi onde a cultura celta foi mais longeva. Por conta de seu
isolamento, não sofreu a influência da Pax Romana e por isso manteve sua
identidade, os elementos célticos de sua cultura por muitos séculos. Eu acabei
fazendo da Irlanda um objeto de estudos e paixão. Dessas 11 faixas, são 9
tradicionais e tem duas autorais, a “The Calling” e “King”.
Rebel Rock: Ao ouvir
o disco, a sensação que tenho é que mais uma vez vocês se superaram. Uma coisa
é você criar sua própria composição e outra é você pegar uma música de
terceiros e transforma-la em algo único, com a sua cara. Como funcionou o
trabalho para que cada música tivesse a identidade do Tautha de Danann?
Bruno: Algumas
músicas deram mais trabalho que outras. Em todas as escolhas, as canções,
criamos arranjos novos, harmonizações diferentes e muita coisa pessoal nelas,
sabe? O interessante é que por ser tradicional, esse material vem sido tocado,
arranjado, modificado e reformulado há muitos anos, às vezes séculos, e por
isso trata-se de algo muito dinâmico. Tratando-se de música irlandesa, pode-se
encontrar versões completamente diferentes da mesma música, com outras melodias
até, por aí. Muito comum é encontrar a mesma melodia com diversos títulos e
letras diferentes. Por isso, mesmo sendo um trabalho tributo, tem muito
trabalho autoral nele também.
Rebel Rock: “Nick
Gwerk´s Jigs“, abre o disco num belíssimo instrumental que acredito será a
abertura dos shows daqui em diante. ”Molly Maguires” e “Guns and Pikes” são as
seguintes, e trazem consigo a vontade de viver dentro de um pub, com uma boa
Guiness no copo e com a festança comendo solta.
Bruno: A abertura
ficou muito boa e já tem um set de jigs com muito da nossa cara, tem teclados e
contrabaixo, instrumentos não muito usados na música tradicional irlandesa. Mas,
por ser um disco de música irlandesa do Tuatha, fizemos do nosso jeito. “Molly
Maguires” e “Guns and Pikes” são músicas bem para cima sim, de cantar junto e
funcionam muito bem em pubs, ‘Guns and Pikes’ até em torcidas (risos). Mas, é
bom ressaltar que a letra dessas músicas carrega mensagens sérias que honram a
memória de pessoas oprimidas no trem da história, que foram exploradas,
humilhadas e até mortas por governos tiranos, guerras coloniais ou mesmo pela
opressão do capitalismo mais predatório.
Rebel Rock: Outras
faixas que merecem destaques são as encantadoras e calmas “The Calling” e
“Newry Highwayman”. Ter faixas que se
diferenciam entre si foi uma preocupação na hora de escolher as músicas que
entrariam neste projeto?
Bruno: Com
certeza! Não queríamos um álbum que tivesse o mesmo clima e andamento o tempo
todo. Coisa que já acontece nos nossos trabalhos regulares, eu acho. A “The
Calling” é uma das autorais, acústicas, e tem a participação da fantástica,
Manu Saggioro. Ela canta como uma fada, fenomenal esta mulher! É uma canção
calma, com clima de roda medieval com uma letra de chamado à luta, à luta
contra a subjugação dos povos, da opressão do rei, do governo e assim vai. A “
Newry Highwayman” é uma linda canção tradicional que data do século XVI, e há
ziliões de versões dela por aí até com outros títulos como, “Roving Blade”, por
exemplo.
Rebel
Rock: “The Devil Drink Cider” se tornou a minha música favorita de imediato de
“In Nomine Éireann”. Começa tranquila, com algumas estrofes sendo jogados no
ar, logo vai crescendo e ficando em certo ponto pesada com ótimos backings
vocals. A pergunta de um milhão aqui é, qual é a sua faixa favorita e por que?
Bruno: Essa é bem massa mesmo! Como você disse, ela começa
sossegada e vai crescendo com uma parte a lá ‘Eddie Van Halen’ e depois cria-se
um tema bem Iron Maiden, né? Tem a participação do grande Marc Gunn. É a única
do tipo ‘drinking songs’ do disco, fala de uma bebida que faz o povo ficar
muito doido e se dar ‘pala’. O cancioneiro irlandês tem muitas canções que
discorrem sobre bebedeiras, beberrões e bebidas, não é só de magia e revolução
que vive a Irlanda (risos). Sobre preferida, é a de um milhão mesmo! Fico entre
a “King”, a “Nick Gwerks” e “Guns and Pikes”. Mas, daí lembro de “The WInd that Shakes the
Barley”, “Calling” e “Master Reels” com John Doyle, sei lá (risos).
Rebel Rock: Gostaria
que falasse um pouco sobre a participações especiais que abrilhantaram mais
ainda o álbum.
Bruno: Nossa, a
gente fez uma superseleção com estes amigos e ídolos. Tem a Daísa Munhoz (Soulspell
e Vandroya), que já gravou com a gente e é uma das maiores cantoras do mundo,
sem exagero. O irlandês, Keith Fay, do Cruachan, que é um grande amigo e ícone
do Folk Metal. Manu Saggioro na “Calling”, tem também a Talita Quintano
(Soulspell), que fez ótimos backings com arranjos dela muito legais na “Newry
Highwayman”. O mestre John Doyle nos bouzoukis e violões da “The Master Reels”,
este foi um super sonho realizado para mim, pois este cara é uma das grandes
figuras da música irlandesa em nível mundial, fundador da banda Solas. O Marc
Gunn na “The Devil Drink Cyder”, e meu grande amigo, Folkmooney, o irlandês
mais mineiro do mundo na ‘Guns and Pikes’. O Alex Navar, que já foi da banda
participou em 4 faixas na gaita de fole. Kane O’Rourke e Finn Magill, dois
virtuoses do violino irlandês e o Rafael Salobreña do Taverna no bodhran. Meu
parceiro aqui no estúdio e do Braia, o baterista Fabricio Altino, que gravou as
bateras do álbum anterior do Tuatha, fez a batera da “The Devil Drink Cider”.
Para finalizar, o meu velho amigo, Marcell Cardoso, que foi baterista do Karma,
e Bittencourt Project e, hoje toca com a Família Lima, gravou duas músicas,
esse cara é foda demais! Tivemos uma grande comunidade de amigos que fizeram
este disco ser tão especial!
Rebel Rock: Após
ouvir “In Nomine Éireann”, por diversas vezes nos últimos dias, a toda nova
audição eu descobri algo novo e inusitado, mas também sempre fiquei com a ideia
de que mais que um tributo a Irlanda, o álbum é um presente aos fãs. O disco é
uma mensagem subliminar que devemos sempre sonhar, dançar, acreditar e se
encantar, o momento é ruim, mas não será eterno.
Bruno: Pois é,
por ter tantos elementos, instrumentos, arranjos e contracantos, o ouvinte
provavelmente vai se surpreender com algo novo a cada audição. Tivemos este
cuidado na mixagem com toda a imagem estéreo, os pans e, eu acho que ficou
muito bom, viu? Quanto a ser um presente aos fãs, posso dizer que o incentivo
que todos os apoiadores nos deram, não só financeiro, mas de mensagens, de
gente que veste a camisa e compartilham as ‘news’, as músicas, vendendo a banda
mundo afora e mesmo quem compra nosso material, merchandising etc., nos motivam
a seguir a trilha. Enquanto tivermos resposta das pessoas nós continuaremos. É
como no mundo dos míticos, somos fadas e duendes do dia de hoje, enquanto as
pessoas acreditarem eles existirão.
Rebel Rock: Para
finalizar, perto de completar 3 décadas, a única parte que está faltando é um
CD ao vivo. Podemos esperar essa “cereja do bolo” para 2024?
Bruno: Com
certeza, está nos planos e talvez até lancemos antes de 2024. Seria massa se
fosse um DVD ao vivo com um tipo de pequeno documentário com depoimentos, esses
trens, né?! Vai rolar, espero.
Rebel Rock: Obrigado
pela entrevista. Deixe uma mensagem os fãs do Tuatha De Danann e para os
leitores da Rebel Rock.
Bruno: Agradeço
ao Rebel Rock pelo espaço e apoio, valeu mesmo! A todas as pessoas que nos
acompanham, nos apoiam e torcem pela gente, muito obrigado. Estamos firmes e
muito graças a vocês. Para quem não conhece nossa música, acho que essa é uma
boa hora de conhecer, pois com este disco novo temos músicas pesadas como “The
Devil Drink Cider”, “The Molly Maguires” e “King”. Tem umas totalmente celtas
como “Nick Gwerk’s Jigs”, “The Master Reels” e “Moytura”. Outras meio termos do
caminho como “Newry Highwayman”, “The Dream One Dreamt” e uma muito louca que é
a “Guns and Pikes”. Enfim, tem para todo mundo (risos).