segunda-feira, 31 de agosto de 2020

MARENNA - MEISTER - OUT OF REACH (2020)

 


Muitas vezes a união entre talento e técnica em prol de um objetivo comum não atinge seus objetivos. Seja por arrogância, seja por desleixo, exemplos desse tipo não faltam. Mas o que temos em OUT OF REACH, primeiro trabalho da banda MARENNA-MEISTER, lançado pela Lions Pride Records é algo que não apenas deu certo, como superou, e muito, as expectativas que já eram altas. Obviamente que era impossível que um trabalho unindo um dos melhores vocalistas brasileiros da atualidade e um dos mais técnicos e talentosos guitarristas que este país possui, não tinha como dar errado. Se pela capa você achou que teremos algo na linha do Hard Rock feito nos anos 80... Você está certo! Carregado com a atmosfera daquele período, mas com uma pegada e produção totalmente atual, o CD resgata aquela sonoridade clássica tão especial inspirada e nomes como Dokken, Danger Danger, Winger, Warrant e tantas outras bandas que moldaram (e ainda moldam) o caráter de muita gente por aí...

Rod Marenna (vocal), Alex Meister (guitarra e vocal), Cris Gavioli (baixo e vocal) e L.A. Tilly (bateria) nos levam de volta ao período onde as guitarras técnicas e os vocais melódicos imperavam de forma contundente. Ainda que no release as informações deêm conta que o grupo pratica Hard Rock/Hair Metal, o primeiro acaba se destacando de maneira mais direta. E sejamos honestos: experiência os músicos envolvidos tem de sobra. Rod Marenna possui mais de 25 anos de carreira e após ter passado por algumas bandas montou a sua própria, Marenna, que já possui dois EP's, um full lenght e um ao vivo. Aliás, todos altamente recomendáveis, uma vez que estamos diante de uma das mais belas vozes do Rock/Metal nacional. Já Alex Meister, traz consigo mais de 30 anos de carreira, tendo lançado um álbum solo e mais três com sua antiga banda Pleasure Maker. Juntaram-se aos dois o baixista Cris e o baterista L.A. Tilly e sob a produção de Meister, gravaram um dos principais registros fonográficos do país neste atípico 2020. Sidney Sohn foi o responsável pela gravação, mixagem e masterização do álbum, que ficou com uma sonoridade típica, porém bastante atual. E a capa de Tiago Medeiros nos transporta diretamente para dentro desse universo.

"Out of Touch" abre o álbum com aquela levada Dokken/Ratt com ótimas guitarras e uma linha vocal um pouco diferente daquela que Rod Marenna pratica com sua banda. Ao menos para mim, o vocalista pareceu mais solto e com uma energia "diferente", pois sua voz é perfeita para esse tipo de sonoridade. Logo nessa primeira faixa já fica nítido que essa união deu muito certo! Com um refrão daqueles que grudam e não saem mais da cabeça, a faixa ainda tem a manha de colocar aquela batida bateria/guitarra como nos bons e velhos tempos... "The Price of Love" já começa com backing vocals muito bem encaixados e mostra a excelência da dupla em compôr aquele tipo de refrão que ficam martelando (no bom sentido). Um pouco mais festiva que a faixa anterior, a composição consegue agregar um "na na na na na na" que não soa piegas! O solo de Alex também merece um comentário à parte, pois técnica e melodia encontram um feeling que só quem tem o Hard nas veias consegue imprimir. Na sequência, "Gimme All You've Got", com uma pegada mais voltada pro que o Danger Danger fazia, mas com personalidade e melodia peculiar. Marenna mostra mais uma vez (como se isso fosse novidade) que se o Brasil fosse um país sério, ele seria muito mais reconhecido.

A veia "Lynch" de Meister dá as caras em "I Don't Wanna Lose You", uma faixa mais cadenciada e que destaca também o bom entrosamento da dupla Cris e L.A. que emprestam um certo peso à composição dando uma cara mais Hard/Heavy ao seu andamento. Enquanto isso "(There's So) Many Things" caminha pra um lado totalmente Hard e traz aquele refrão com backing vocals que me remeteu aos tempos das saudosas propagandas do Hollwood (sim, houve uma época que o rock reinava nos comerciais de TV). Quer riff Hard/Heav e vocais cheios de malícia? "Sleeping With the Enemy" vai te satisfazer com total certeza! Algo que merece ser destacado é durante toda a execução do play, percebe-se o cuidado que a dupla teve com os arranjos, principalmente na estruturação dos backing vocals, pois estão todos no lugar certo e sem nenhum tipo de exagero, como se fosse algo apenas para preencher espaço.

E se certa vez alguém disse que um grande vocalista se conhece quando esse canta uma balada, podemos dizer que Marenna passou no teste (risos). Com uma linha melódica mais suave mas bastante intensa, "It Ain't So Easy (Loving You) lembra muito aquelas composições que toda grande banda de Hard gravava em seus álbuns. O Hair Metal vem com tudo em "Ride, Ride, Ride", que tem um certo acento pop, mas nada muito exagerado. Até porque, se tivéssemos rádios rock no Brasil, uma faixa como essa tocaria sem nenhum problema. Em seguida, "Dangerous Minds", a faixa mais pesada (dentro do estilo da banda) vem para deixar explícita a veia Hard/Heavy do grupo. Como se isso fosse necessário, não é mesmo? Alex faz sua guitarra viajar por uma linha mais próxima de Warren DeMartini e Robin Crosby, mas imprime sua identidade, principalmente no solo. O encerramento vem com "Feel the Hunger", uma daquelas faixas que te deixam com aquela sensação de que o disco acabou muito rápido... 

O CD traz ainda a faixa bônus "Follow me Up", que poderia (e talvez até deveria) estar no track list regular, uam vez que é uma das melhores composições de um álbum extremamente nivelado lá no alto!

A verdade é que estamos diante de um dos melhores trabalhos lançados no Brasil em 2020. E, sendo o mais sincero possível, um dos melhores no estilo lançados neste ano a nível mundial. OUT OF REACH é um álbum mais do que recomendado, é obrigatório para todo fã de HArd Rock, seja dos anos 80 ou não. O MARENNA-MEISTER mostrou aqui que quando o estilo corre nas veias, não tem como dar errado. Que venham muitos mais álbuns para a alegria dos apreciadores da música de qualidade!

Sergiomar Menezes





quarta-feira, 26 de agosto de 2020

THRUST - HARVEST OF SOULS (2018)



A banda norte americana THRUST, formada em 1981 em Chicago, chega agora ao seu quarto trabalho, o bom HARVEST OF SOULS. Praticando um Heavy metal tradicional, que apesar de trazer consigo as características do metal americano tem como sua maior influência A New Wave of British Heavy Metal. Embora tenha lançado apenas 4 álbuns durante esses 40 anos, o grupo pode se orgulhar de sempre ter lançado trabalhos interessantes e isso se confirma neste mais recente lançamento.

Nesse período de atividades ocorreram algumas mudanças de formação, sendo que hoje o grupo é formado por Eric Claro (vocal, ex- Scarred), Angel Rodriguez (guitarra), Ron Cooke (guitarra), Ray Gervais (baixo) e Joe Rezendes (bateria).

As músicas da banda resgatam aquele Heavy Metal clássico, sem nenhum tipo de influência externa, nem modernismos. Ou seja, um prato cheio para os fãs do estilo mais “true”. Uma produção que soube deixar a sonoridade da banda com uma cara de anos 80, mas que ao mesmo tempo soa bastante atual, é um dos diferenciais deste belo álbum de heavy metal!

Músicas como “Deceiver”, que traz todas as características mais tradicionais do estilo, além da boa impostação vocal de Eric Claro (apesar do timbre adequado, algumas vezes o bom vocalista comete pequenos deslizes, mas que não atrapalham o conjunto da obra), “Immortal”, mais cadenciada em alguns momentos, mas que ganha velocidade em outros, mostra que a dupla Angel e Ron está bem afiada. Ainda temos “Kill or be Killed”, que tem uma aura oitentista, “Sorceress”, o grande destaque do álbum pois trata-se em uma belo metal tradicional, daqueles cavalgado e pesados. Podemos citar ainda as faixas “Blood King” com sua forte influência de Black Sabbath, “Feel the Pain” e o seu metal tradicional um pouco mais moderno e “One Step From The Grave”.

Mesmo que nestes quase 40 anos, o grupo tenha lançado apenas quatro álbuns, podemos dizer que a experiência faz a diferença em HARVEST OF SOULS. Metal tradicional, com uma cara bem anos 80 mas que não soa datado. Talvez essa seja a melhor definição para este álbum. Ou para ser mais preciso, o THRUST lançou um baita disco e Heavy Metal!

Sergiomar Menezes




quinta-feira, 20 de agosto de 2020

BLOODY VIOLENCE - HOST (2020)

 


Na ativa desde 2013 a BLOODY VIOLENCE já impressionou desde seus primeiros registros. Primeiro passo foi dado com o EP Obliterate (2014), são quase quinze minutos indigestamente apaixonantes aos simpáticos do estilo. Desconcertante, pesado e carregado, e era justamente esse o recado a ser entregue. Depois com o Full-length Divine Vermifuge (2015), então com não apenas passos, aqui o disco já inicia a maratona de 42 km e em alta velocidade. Um aparado de situações, acontecimentos, mitos e denuncias muito bem orquestrados pelo (então) quarteto sangrento. Nas palavras do Igor Dornelles (guitarra) em entrevista para a Rock Meeting (Ago/2020):

- “Não queríamos ser apenas mais uma banda, então fomos pensando em temas que nos agradavam, e acabamos criando um Discovery channel com esse disco (risos)”.

Esse impacto culmina com o HOST (2019) e nesse momento a banda está voando num rasante matador feito uma ave de rapina. Enfrentaram mudança na formação, readaptação para acertar as vozes com a saída do Cantídio (vocal), tour internacional, saída do Eduardo Polidori (batera) e então em 2019, pouco antes do disco novo ganhar vida, o retorno do Eduardo na bateria. Toda essa movimentação de energias e setup mostrou uma Bloody Violence ainda mais evoluído nesse novo disco. Mas agora com o “hospedeiro”, a banda está pronta para escrever um novo capítulo na sua história musical. HOST é como se fosse uma caixa cheia de fragmentos de espelhos, um caleidoscópio sentimental. E como diz o ditado popular: “de médico e de louco, todos têm um pouco”, porém o disco vem para nos contar a verdade universal que alguns, possuem pouco de “medicina” na sua essência.  Em contrapartida, a fatia de loucura, preenche o resto de espaço que mantém o (des)equilíbrio necessário. Pronto para se encontrar nessa perdição?

De arrancada a obra encanta pela capa numa arte estonteante do Marcos Miller, mas guarda esse pensamento, vamos retomar a capa mais adiante.

Feito o desenrolar do play (disco somente digital na época dessa resenha), ele abre com “Decompression Sickness”, que normalmente é o nome do diagnóstico de quem de quem mergulha e emerge rápido demais. Imagina estar no longínquo e profundo oceano e ter que emergir rapidamente. O hidrogênio dissolvido no sangue e nos tecidos vai ferver em bolhas e vai transformar o corpo inteiro num formigueiro, você provavelmente sentirá fortes dores no peito, tontura e dores musculares. Agora tente imaginar sentir tudo isso, sem nunca ter chegado perto do oceano. Talvez seja sua consciência emergindo do mar de dormências e cegueiras em que esteve mergulhada a vida toda. Apesar de fora do mar, é o corpo que vai sentir esse diagnóstico. Pois bem, esse é o “boas vindas” que o Host lhe dá, no som de entrada do disco. Estendido o tapete vermelho, Eduardo Polidori monstra a que veio (ou a que retornou) com a “Visceral Memories”. Numa pegada cadenciada e ao mesmo tempo dinâmica, a batera guarnece muito bem toda eclosão de notas do baixo (israel Savaris) e da guita (Igor Dornelles). Arrisco que será difícil não soltar aquela batidinha de pé nesse som. Swingada, pegada e arrasadora ao melhor estilo daquelas memórias guardadas no hipocampo, que faz o corpo todo sentir o efeito quando a lembrança é revivida no soar, muitas vezes, de uma só palavra.

Então chegamos na “The White Box”, que para mim é o primeiro ponto alto do disco. Um riff repetitivo, indigesto, dissonante, que invade o ouvido e fica andando numa espiral pela sua cabeça, o início de uma jornada progressiva com rumo certo a amargura, a proporção logarítmica perversa, um fractal divino que se revela na carta da loucura do Tarot, mas que ao mesmo tempo revela que nossa evolução natural também ocorre em uma espiral. E que desesperos colecionamos nessa jornada ao nos depararmos com uma evolução que se movimenta sistólica e diastolicamente, para retornar ao ponto de partida: - O nada! “The White box” é aquela “voz” que fica sussurrando ideias no seu subconsciente, mas é o consciente que as transforma em ações involuntárias. Aquele pensamento que não te deixa dormir e aquele barulho sem identificação, no escuro silencio da casa. Agora depois de ler esse parágrafo, volte na faixa e escute-a novamente. Se se identificou com algum trecho do parágrafo, eu te aconselharia a “vigiar melhor os pensamentos”.  E a sutileza desse breve desespero se completa com a “Whispers of Anguish” que imprime um ritmo mais compassado que, quase, contamina com uma tranquilidade cadenciada do riff ao final (será o último suspiro antes de dar mais um passo na beira do abismo?). Hora de mais um ponto de destaque do disco, “Unfit Thought Processes” que chega vestida de luto, uma visita indesejada que tem aquele tom de voz agudo e irritante (justo como a nota sendo repetida pela guitarra do Igor), falando sob assuntos desajeitados e que te faz ter pensamentos nada saudáveis. Ufa, Te pareceu desequilibrado? Perfeito, então entendeu o som na totalidade.

Host é um daqueles plays que foi concebido para ser atemporal, pois existem muitos enigmas escondidos por trás do véu dos pensamentos e a qualquer momento um dos sons do Host, pode ser o manual da sua loucura. Pois se for, sirva-se, foi feito pensando em você! Cheio de execuções precisas, com muita técnica, mas também muita musicalidade. O encontro perfeito entre a perfeição e o feeling musical. Não há razões para focar em apenas um  e esquecer o outro.

Lembra da capa do disco?  Pois bem, eis o “gran finale" que ganhou vida nas mãos do Marcos Miller. Assim como todo comportamento desviante, a mega arte criado pelo marcos comporta olhares e interpretações diferentes. Se permita admirar a capa do disco várias vezes e de jeitos diferentes, vai encontrar surpresas a cada observação. A concepção da arte está muito alinhada com a mensagem que o disco carrega.

O disco nasceu em 2019 enquanto o mundo girava silenciosamente em torno do seu eixo, mas é em 2020 que Host encontra abrigo para fundamentar a sua retórica, nos braços dessa loucura viral chamada COVID-19. Não há maior insanidade do que ter que conviver com as próprias inquietações, em um momento em que não é possível dissipar essas doses homeopáticas de loucura na multidão. E você já parou para se perguntar:

-  Se não fossem esses momentos de breve total descontrole do pensamento, seria possível viver uma mente sana?

Talvez sim, talvez não. Minha dica? Se chama HOST, tens 32minutos e 24 segundos para encontrar algo próximo de uma resposta na bolachinha. Mas se não encontrar essas resposta, não se desespere, só a audição já será o suficiente para proporcionar alguns momentos de satisfação, para quem curte o estilo. Com o novo disco a Bloody Violence continua sedimentando a sua carreira como um ícone do Technical Death Metal nacional, com motivos de sobra para causar orgulho. É nosso!

E a melhor parte é que, como o disco só saiu na versão digital (por enquanto), está ao alcance de um clique:

TIDAL
SPOTIFY
DEEZER

Bloody Violence é:

Igor Dornelles – Guitarra e Vocal

Israel Savaris – Baixo e Vocal

Eduardo Polidori – Bateria

 Resenha por Uillian Vargas




segunda-feira, 17 de agosto de 2020

REBEL ROCK ENTREVISTA - GASTÃO MOREIRA

 


ENTREVISTA - GASTÃO MOREIRA

Sejamos sinceros: poucos jornalistas no meio do rock/metal brasileiro possuem a credibilidade e capacidade de Gastão Moreira. Desde os primórdios da MTV Brasil (quando ainda podíamos chamá-la dessa forma), passando pela TV Cultura e o MusiKaos, pelos seus programas de rádio e agora com o Kazagastão (Heavy lero, KZG News, Hellfabetto), Gastão segue fazendo aquilo que lhe dá mais satisfação:: falar sobre música! Tive o prazer de trocar uma rápida idéia com ele por email e o resultado está aqui. Fala mestre  Gastão!

Rebel Rock - Primeiramente Gastão, eu gostaria de agradecer imensamente a oportunidade de realizar essa entrevista com você e também dizer a honra e satisfação que é poder falar com um dos caras que mais me inspiraram a ouvir e falar sobre música, em especial o heavy metal. Eu sempre digo pra todos que se hoje eu curto música dessa maneira e gosto de escrever e falar sobre ela, são três os responsáveis: Fernando Souza Filho (Rock Brigade), Ricardo Batalha (Roadie Crew) e Gastão Moreira (MTV).

Gastão Moreira - Muito obrigado Sergiomar, é uma honra saber disso! Fico muito feliz!

RR - Como foi que a música e em especial o Rock apareceu na tua vida? E qual a importância que esse primeiro contato teve em toda sua “formação” e carreira musical?

GM - O rock surgiu na figura de Gene Vincent quando escutei Be Bop A-Lula pela primeira vez numa fita cassete. Não posso precisar minha idade, mas é o primeiro registro que tenho lembrança e à partir daí foi um caminho sem volta.

RR - Curiosamente eu também sou formado em Direito, assim como você e o Ricardo Batalha, e muitas vezes acabo “embolando” as coisas (rs). Como você decidiu que não iria exercer a advocacia e encarar o mundo do jornalismo musical?

GM - Jamais seria um advogado feliz. Decidi ir para Europa depois de me formar quando estava no segundo ano de Direito na Puc. Fui orador da turma e me mandei para Londres. Isso foi no começo de 1989 e foi a melhor coisa que fiz na vida.

RR -  E a MTV? Como foi que você ficou sabendo que a emissora estava a procura de VJs e o que te levou a tentar uma vaga lá?

GM - Escutei sobre os testes da MTV no carro quando cheguei no Brasil para o casamento da  minha irmã. Ia ficar apenas 15 dias aqui e voltaria para Londres. Mas meus planos mudaram quando fui fazer o primeiro teste no Aeroanta em 1990. Queria tanto trabalhar com música que fui bem nos testes e acabei escolhido entre os seis Vjs que estrearam a MTV no Brasil.

RR - Acredito que trabalhar lá era algo muito bacana, uma vez que tudo girava em torno da música e isso tornava o ambiente bastante descontraído. Como era seu relacionamento com os demais VJ’s da sua época?

GM - O mais legal era trabalhar com minha paixão, a música. Fui para a MTV por causa do M! Sempre me dei bem com os outros Vjs, cada um tinha seu espaço, sua personalidade. Nunca tive problema com nenhum colega.

RR - E a idéia para o Fúria Metal? Como surgiu?? Foi através desse programa que muitos tiveram acesso a vídeos e também a bandas que eram conhecidas apenas pelo nome aqui no Brasil...

GM - A ideia do Fúria Metal já existia quando fui contratado. Eles queriam um espaço para sons mais pesados, mas o programa estreou às duas da manhã, era completamente marginal. Eu tinha que implorar por vídeos e entrevistas. Logo depois tornou-se uma das maiores audiências da MTVe  passou para horário nobre com duas reprises.

RR - A sua saída da emissora se deu em um período que a própria MTV começou a decair, deixando de ser aquela referência e se tornando algo que ia muito mais na onda do momento. Como você que esteve no inicio e também no período mais importante dela viu essa caída de qualidade e audiência?

GM - A MTV perdeu relevância muito rápido pela absoluta falta de visão da diretoria ao não conseguir se adaptar aos novos tempos. Assisti a toda decadência da MTV com muita tristeza, pois foi onde realizei grandes sonhos da minha vida. Hoje essa nova MTV me dá vergonha, não há nada com que me identifique lá.

RR - Falando agora do MusiKaos... O programa era um dos mais interessantes pois trazia sempre bandas de todos os gêneros musicais mas não caía naquela mesmice de ir no embalo dos esquemas radiofônicos. Como surgiu a idéia ara esse programa?

GM - O Musikaos é minha cria e foi inspirado no Fábrica do Som, antigo programa da Tv Cultura. A ideia era trazer ao palco diferentes manifestações artísticas ao mesmo tempo, bandas, artes plásticas, fotografia, poesia, etc. Levamos mais de 500 bandas ao vivo e conseguimos alguns programas históricos, sem seguir fórmulas ou modismos.

RR -Depois você foi morar em Florianópolis. Nesse período você apresentou um programa pela Rádio Atlântida (Gasômetro) e formou a banda Kratera. Como foi essa época na sua vida

GM - Estava cansado de São Paulo, encarava 4 horas de trânsito todos os dias. Passei 8 anos em Floripa, trabalhei na rádio (Gasômetro), tive banda (Kratera), tive casa de show (Célula), construí minha casa e contemplei muito o mar. Foram anos maravilhosos.

RR - Botinada: A Origem do Punk no Brasil é um dos documentários mais ricos e abrangentes sobre o movimento punk aqui no nosso país. Acredito que o trabalho de pesquisa e desenvolvimento demorou bastante tempo, mas teve um rultado muito acima da média. De onde veio essa idéia e você já pensou em fazer um documentário sobre o Heavy Metal aqui no Brasil?

GM - A ideia surgiu nos bastidores do Musikaos nos papos com o Clemente. O movimento punk nunca foi bem documentado no Brasil e era uma história incrível. Levei 4 anos para concluir o Botinada. Foi uma luta achar os entrevistados e conseguir material da época em boas condições, mas acho que consegui contar a história.

RR -Hoje você se dedica ao Kazagastão e suas “vertentes” (News, Hellfabeto, Entrevista, entre outros). Mas antes houve o Heavy Lero com o Bento Araújo e depois com o Clemente. Ou seja, você é um verdadeiro workaholic da música (rs). Mas acredito que cada episódio que vai ao ar deve te trazer uma enorme satisfação, pois é inegável a paixão com a qual você conduz cada programa (principalmente o Hellfabeto). Para você, como é ser esse cara que passa tanto conhecimento musical de forma simples e com total domínio sobre o que fala?

GM - O que movimenta o Kazagastão é minha paixão obsessiva por música. É um trabalho hercúleo, ingrato, mal remunerado, mas é o que eu gosto de fazer e tenho muito orgulho do canal. Jamais conseguiria falar desses assuntos na Tv. Por isso considero a curadoria do canal essencial. O Kazagastão segue na contramão sem farol e sem freio.

RR - Gastão, mais uma vez, agradeço pela tua disponibilidade em ceder essa entrevista e deixo aqui esse espaço para tuas mensagens aos leitores e seguidores do seu canal.

GM - Eu que te agradeço! Desejo que todos descubram algo pelo qual sintam uma paixão incontida, seja na música, na profissão, na vida. E nunca desistam de lutar pelos sonhos, quanto mais difícil for, menos concorrência você vai ter! rsrs Grande abraço!


 

quarta-feira, 12 de agosto de 2020

QUILOMBO - ITANKALE (EP)



A proposta do grupo paulista QUILOMBO é repassar momentos históricos da humanidade dentro da musicalidade do underground, mas nunca esquecendo de suas origens, quais sejam, o Death Metal, o Grind e o Hardcore. E o EP de estréia, intitulado ITANKALE ("Evolução" na língua Yorubá), mostra que o objetivo foi alcançado com louvor, uma vez que a sonoridade da banda carrega muito desses elementos. E olha que lançar um trabalho no formato conceitual, ainda mais sendo aquele que vem à apresentar o grupo, não é tarefa das mais fáceis. A idéia não é levantar nenhum tipo de bandeira política, mas usar o Metal para traduzir seus pensamentos acerca das histórias tendenciosas e tentar desmascarar fatos que se alastraram no decorrer do tempo de forma direta, brutal e agressiva.

Formada por Allan Kallid (guitarra e baixo) e Panda Reis (bateria e vocal), a banda traz consigo toda a fúria do death metal, mas como citado no início da resenha, agrega à sua sonoridade elementos do Grind e do Hardcore sem parcimônia, ou seja, é pedrada atrás de pedrada! aliada a essa musicalidade extremamente brutal e agressiva, temos o conceito envolvendo o trabalho, de forma que som e letra acabam encaixando de forma exata mostrando que a criatividade e versatilidade da dupla se sobressaem durante a execução do EP. Importante lembrar ue o trabalho foi gravado entre dezembro de 2018 e janeiro de 2019 por Guilherme Sorbello no estúdio "O Beco", em São Paulo. 

Uma das coisas que mais chamam a atenção em ITANKALE é esse conceito desenvolvido pelo grupo, mas não pense que por trás disso existe aquela auto-piedade que muitas vezes faz cair por terra a legitimidade daquilo que é exposto. Muito mais do que contar uma história, o EP traz a história do africano que que veio escravizado para o Brasil e que teve que se adaptar a uma realidade completamente diferente daquela que estava acostumado a viver. Imagine reis, príncipes, rainhas que reinavam em seus países de uma hora para outra se tornarem escravos, tendo suas vidas viradas do avesso. Por mais que se possa imaginar tal situação, apenas quem viveu isso na carne, e muitos ainda vivem essa realidade, podem relatar o quão criminosa e cruel foi essa reviravolta.

"Melanina" abre o EP trazendo toda fúria e brutalidade do grupo expressa de forma contundente em sua execução. Entretanto, mudanças de andamento e inserção de elementos tribais, concedem À faixa uma característica bem peculiar, mostrando que o death metal do grupo pode sim ser acrescido de outras sonoridades sem que perca sua agressividade. O vocal de Allan é outro ponto importante dentro desse contexto, uma vez que seu gutural agrega uma dose extra de peso à música. Já "Ancestralidade" começa com uma narrativa extraída de "When the Hurt is Over" do cantor Might Sam McClain. Mas logo em seguida recebe uma carga volta ao lado mais cadenciado do estilo, o que faz com que uma atmosfera mais densa e obscura circule ao redor da composição. "Treze Nações" é introduzida por um som bem característico, qual seja, um berimbau que abre as portas para que o lado mais grind/hardcore do grupo ganhe espaço. Curta e direta, a faixa é um dos destaques do EP.

Também curta, mas sem economia de rispidez e agressividade, "Descendentes de Reis" mantém a pegada da faixa anterior, mostrando que Panda domina com segurança a arte de sentar o braço na bateria. "Semi Deusas" é, na minha opinião, o maior destaque do trabalho. Isso porque consegue condensar em seus quase 3 minutos, toda a bagagem do grupo pelo seara do death metal. Sem deixar espaço para nenhuma espécie de modernidade, a faixa respira a veia underground de forma certeira, trazendo até mesmo momentos que se aproximam do thrash metal. Baita música! O encerramento vem com "Diáspora d.C" outro momento grindcore, que traz em sua letra, uma crítica muito interessante de como a cultura acabou se tornando algo totalmente comercial. Triste, mas verdadeiro...

ITANKALE é um trabalho repleto de honestidade e qualidade. Concebido de forma conceitual, suas faixas se encaixam no contexto, mas é possível ouvi-las separadamente sem que isso venha a prejudicar a audição de cada uma. Muito mais do que um simples EP de death/grind/hardcore, o trabalho mostra que o QUILOMBO tem conteúdo e conhecimento de causa para tanto. Que venha logo um álbum completo!

Sergiomar Menezes