Xfears - "The First" (2021)
GSC Music
Não apenas técnica apurada, esmero matemático/musical — megalomania criativa ou mostruário de virtuoses; “The First”, o primeiro registro completo da banda paulista Xfears, é, antes de mais nada, um álbum edificado com emoções fortes, conduzido por sensibilidades e organicamente elegante. Repleto de diferentes texturas, de nuances — relevos e ápices. Riquezas harmônicas e um vasta paleta de melodias habilmente escritas que, tanto conseguem seduzir quanto encantar. Em suma, uma cordilheira de sentimentos numa paisagem que emula com perfeição todas as virtudes e sutilezas do Metal Progressivo.
A Xfears foi fundada em 2002 por
Gabriel Carvalho (vocais/teclados), Marcelo Monteiro (guitarras) e Gilmar
Cazagrande (guitarras). Em 2004 a banda entrou num hiato que durou 13 longos
anos, mas que felizmente findou-se em 2017, quando voltaram e lançaram o
fabuloso single “Changes”. Em 2020 o alinhamento da banda foi reconfigurado com
a entrada dos músicos; Douglas Polents (bateria) e Ricardo Roque (baixo).
Outros singles foram concebidos e eis que finalmente neste mês, eles debutam
com uma força natureza, o instigante “The First” (GSC Music).
Com sua concepção sonora creditada a
Gabriel Carvalho, o álbum teve seus cursores de estúdio — gravação, mixagem e
masterização deixados sob a responsabilidade de Alexandre Dipper (Xstudio); a
arte da capa e demais recursos visuais receberam a rubrica do designer Danilo
Zacarias.
Antes de adentrar no universo de
musical do Xfears, quatro acertos (dentre muitos) que devem ser ressaltados.
Primeiro: A produção é o oposto daquilo que o contemporâneo tem oferecido, ela
é “viva”, cristalina e volumosa, cada instrumento e timbre, cada relevo e curva
do instrumental, e cada camada sonora tem seu espaço e tempo bem definidos.
Cada músico tem seu próprio holofote e quando em conjunto tudo é ainda mais
intenso e grandioso. Segundo: Apesar de ser um composto fronteado pelo Metal
Progressivo, o repertório desenvolve-se além do que o rótulo, por vezes,
define. Ou seja, o Prog segue como norte do trabalho (o cardeal mestre), mas
linhas de Heavy e de Power Metal tradicional o abrilhantam (como pontos
colaterais). Terceiro: A habilidade do quinteto em transmutar estruturas
convencionalmente complexas em algo acessível, ainda pesadas e intrincadas, mas
de fácil “digestão”. Quarto: A não necessidade de preenchimento absoluto. O
disco comporta 09 faixas de tempo razoável. Uma curta introdução intitulada
“Xfears”; que serve para ambientar a narrativa e um interlúdio; “Prelude To
Pain” (que prepara terreno para a maior malha do trabalho “The Worst Pain”). As
demais 07 extrações transitam entre 04 e 06 minutos — sucintas, mas coesas e
devidamente detalhadas; sem ausências ou excessos.
“Take Control” esbanja feeling e
técnica, com grande enfase no
desenvolver das guitarras (riffs, edificações melódicas e solos); nas linhas de
bateria que foram maravilhosamente caligrafadas — e são mutáveis conforme a
progressão da música, e nos teclados, que tanto fazem fundo quanto adorno.
“Hell Is Here” é uma verdadeira ode ao Prog Metal, com incríveis mudanças de
ritmo, elegantes transições e um refrão evocativo (candidata a hino da banda).
“No Regrets” amalgama elementos das anteriores, porém, mais enérgica e com as
guitarras protagonizando o espetáculo. Num disco onde a emoção é a aorta, uma
balada se faz mais que obrigatória e “I See” atende essa necessidade. Teclas
delicadas, guitarras que seduzem tanto em suas elevações quanto no solo (se o
Progressivo não tem alma, que alguém me explique essa música, por favor).
Gabriel Carvalho não apenas canta e dá vida aos sentimentos da canção, ele se
torna a canção (proeza que poucos conseguem, acredite). “Endeavour” vai do
esmero do supracitado Prog até o Metal em suas formas mais tradicionais —
sensacional!
Uma homenagem ao imortal Nevermore e
ao também imortal Warrel Dane acontece na sétima faixa, trata-se de um cover
digníssimo para a belíssima “Believe In Nothing” (décima faixa da obra-prima
“Dead Heart In A Dead World” — 2000). E verdade seja dita, tocar Nevermore,
ainda que seja uma de suas baladas nunca será uma tarefa simples, cantar as
letras imortalizadas pelo Warrel menos ainda. Sua voz, sua interpretação e sua
força eram únicas e irreplicáveis. “The Worst Pain” encerra nossa digressão
pela pintura em movimento que é “The First”. Todos os predicados encontrados e
enumerados durante toda a audição são novamente expostos e intensificados nela.
Um fim épico à altura de tudo que revelado durante todo o disco.
O Xfears é um achado e um acréscimo valoroso para o Metal brasileiro; “The First” é forte, inteligente e coeso. Um álbum marcante e inundado de criatividade, que não pode de modo algum ficar restrito apenas a um nicho de fãs (música de qualidade transgride estilos, gêneros e rótulos). O Xfears merece ser conhecido não apenas por sua habilidade, mas também pela emoção com a qual confecciona sua arte, emoção essa que se torna cada vez mais rara atualmente (ouve-se rápido e esquece-se mais rápido ainda.
Fábio Miloch
Caro Fábio Miloch, você não faz idéia da emoção que eu senti ao ler cada palavra colocada neste review. Pois a maior felicidade de um compositor é ter sua obra apreciada e cuidadosamente analisada por pessoas com forte senso crítico como você. Só me resta lhe agradecer de forma muito intensa e verdadeira por dedicar seu tempo a ouvir o The First e sintetizar tão bem o significado deste álbum. Um grande abraço meu amigo e muito obrigado.
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