08 de junho de 2020. Um ano sem a maior voz que o Heavy Metal brasileiro já teve a honra de compartilhar com o mundo... André Coelho Matos nos deixava para entrar na eternidade. Não que já não estivesse, uma vez que sua obra será para sempre lembrada pelos fãs. Mas aquele cara que começou moleque à frente do Viper, que um tempo depois mostraria ao mundo com o Angra que o metal melódico podia ter a influência da música brasileira, e como prova disso, nos brindou com o fenomenal Holy Land (1996), e que conseguiria, mais uma vez a frente de uma banda, o Shaman, gravar um dos melhores álbuns do estilo em todos os tempos, a saber, Ritual (2002), era muito mais do que um vocalista. Compositor, maestro e uma figura das mais simples e educadas das quais tive a oportunidade de entrevistar, André era um ídolo para este que vos escreve...
O primeiro contato com André se deu quando ouvi "Living for the Night", faixa clássica presente no não menos clássico Theatre of Fate (1989) do Viper. Lembro que um grande amigo gravou para mim em uma fita cassete, de um lado este álbum e, do outro, o Soldiers of Sunrise (1987). Me surpreendi por que, enquanto o Soldiers mostrava uma banda que buscava tocar como o Iron Maiden, no Theatre tínhamos um dos pilares do metal melódico. Mas em ambos os álbuns, uma coisa era recorrente o talento de André.
Mas não quero aqui traçar sua carreira, falar sobre seus álbuns, suas participações em inúmeros projetos. Isso, todos estão cansados de saber. Quero apenas prestar uma simples e singela homenagem a um dos caras que me fez gostar de Heavy Metal e me fez ver que no Brasil tínhamos (e temos) talentos que não deixam absolutamente nada a desejar ao que vem de fora.
Há um ano atrás, lembro que quando começaram os boatos em um grupo do WhatsApp acerca de sua morte, achei que era mais uma das tantas fake news que invadem o nossos celulares diariamente. Mas infelizmente não era... Quando houve a confirmação, posso dizer sem a mínima vergonha, fiquei muito, mas muito triste. Foi como se um membro muito próximo da minha família tivesse falecido. Não á toa, no outro dia, quando realmente caiu a ficha, chorei. Sim, eu ns meus já "calejados" 43 anos de vida, chorei pela perda de um dos meus heróis.
Ainda mais quando lembrei que em 2014, quando eu escrevia para o portal de uma agência de publicidade de um grande amigo meu, que ficava no interior do Rio Grande do Sul, mais precisamente na minha cidade natal, São Lourenço do Sul, entrei em contato com o Costábile Salzano Jr, da Ultimate Press e solicitei uma entrevista com André, mas já esperando a negativa, afinal, era muita pretensão da minha parte imaginar que um dos maiores vocalistas de todos os tempos dispensaria um pouco do seu precioso tempo respondendo perguntas de um veículo sem nenhuma expressão na mídia especializada. Mas, para minha surpresa, cerca de 4 ou 5 dias depois, verifico meus emails e lá estava, não apenas a confirmação da entrevista, bem como a própria já respondida por André Matos! E o mais impressionante é que ele não se furtou de responder a nenhuma das questões enviadas, fossem ela a respeito do Angra (negando veementemente uma volta ao grupo), fossem a respeito do Symfonia e o mal estar com Timo Tolkki.
Abaixo, reproduzo tal entrevista, visto que ela não se encontra mais no site, e também como forma de homenagear André neste dia tão triste para os fãs de sua música e talento.
Para encerrar, agradeço imensamente por ter tido a oportunidade de dizer ao André o quanto sua música era importante para mim, como vocês mesmo poderão ler a seguir.
Descanse em Paz, André. Sua música seguirá nos guiando neste mundo cada vez mais seco e cruel.
Obrigado por toda sua genialidade, maestro!
REBEL ROCK - Bom, primeiramente, gostaria de dizer que é uma honra imensurável pra mim entrevistar o maior vocalista brasileiro de todos os tempos. Me faltam palavras pra descrever a alegria que estou sentindo. Agradeço de coração mesmo pela oportunidade!
RR - André, como tem sido a turnê de divulgação do The Turn of the Lighs em conjunto a comemoração dos 20 anos do Angels Cry? Está dentro daquilo que você imaginava?
AM - Foi além do que se imaginava. Da mesma forma que a reunião do Viper no ano de 2012, quando tocamos ao vivo os primeiros álbuns na íntegra. E foi justamente ali que nasceu a ideia de uma turnê não apenas de lançamento do último disco, mas também de comemoração aos 20 anos do Angels Cry, executando-o também na íntegra. Muitas bandas têm feito tours retrospectivas e foi a primeira vez que fizemos algo parecido. Estamos encerrando o ano e nem parece que já se passaram mais de 30 shows desde a primeira apresentação.
RR - Como foi pra você revisitar este clássico do metal nacional na íntegra? Creio que apesar de sua capacidade técnica, deva ter sido extremamente cansativo, pois no mesmo show você executava também músicas de sua carreira solo e do Viper...
AM - Na realidade, como vocalista, quanto mais longo o show, melhor. E optei por deixar o Angels Cry para a segunda parte do concerto, justamente por isso: ao contrário do que se pensa, é mais fácil executar partes tecnicamente complicadas quando o corpo está aquecido. E isso vale para qualquer instrumentista, não apenas para os cantores. Foi um desafio no início, mas agora posso afirmar que me sinto 100% à vontade com o repertório.
ANGRA
ANGRA
RR - Passados 20 anos, como você avalia hoje a importância de Angels Cry para o cenário nacional e internacional ? Você considera ele seu melhor trabalho com o Angra?
AM - Foi um álbum de extrema importância - e continua sendo. Vejo tanto nas composições como nos arranjos todo o potencial que a banda trazia naquele momento, e que de fato se desenvolveu nos trabalhos seguintes. Ainda assim, pessoalmente, considero o Holy Land como sendo o melhor trabalho junto ao Angra.
RR - Analisando seus três albuns solo - Time to be Free (2007), Mentalize (2009) e The Turn of the Lights (2012), qual deles é o seu preferido? E por qual razão?
AM - Esta é uma pergunta mais difícil, porque ainda não há o distanciamento necessário para conseguir analisá-los separadamente um do outro. Acho que todo álbum tem seu tempo de maturação; o tempo dirá qual o melhor, se é que há melhor. De qualquer forma, a resposta será sempre subjetiva e tenho total respeito pela opinião do público - que pode preferir este ou aquele álbum, independente de ser o mais recente ou não.
RR - E o retorno do Viper, André? Como foi pra você tocar novamente com a banda que começou tudo isso? Podemos esperar por algum material inédito, ou ficaremos apenas nessa turnê de reunião e no lançamento do DVD?
AM - Difícil prever o futuro; nós completamos a meta que havíamos estabelecido: realizar a tour e gravar um registro ao vivo. Foi uma experiência única; uma grande emoção em poder reviver aqueles primeiros passos - e, ao mesmo tempo, notar o quanto o Viper era inovador e original na sua época. Tanto é que as músicas funcionam bem até hoje; são atemporais e fazem a cabeça de fãs de todas as idades. Por enquanto, estamos na espera do DVD, que já se encontra praticamente terminado. E, no caso do Viper, o melhor a se fazer é não programar: o que tiver de acontecer, acontecerá no momento certo, como foi em 2012.
RR - O show do Rok in Rio, mostrou antes de mais nada uma banda feliz por estar reunida novamente. Como você viu esse momento histórico pro heavy metal brasileiro, que além de contar com a apresentação do Viper, teve também músicas de sua carreira solo? Particularmente, acho que o Viper deveria ter tocado no Palco Mundo. Não só pela qualidade, mas também pela importância no cenário...
AM - Quem decide a questão dos palcos é a produção, de acordo com suas próprias diretrizes e, pra ser sincero, não senti falta de tocar no palco Mundo desta vez: fomos super bem tratados pelo pessoal do Sunset e só tenho a agradecer a oportunidade de ver esse sonho realizado. Acho que, devido à repercussão positiva do nosso show, possivelmente tenhamos conquistado a confiança do Festival e, independente do palco, o que importa é estar lá e conseguir passar bem a mensagem. A única coisa que eu desejaria seria fazer um show um pouco maior - mas isso certamente acontecerá caso sejamos cogitados para alguma próxima edição.
VIPER
VIPER
RR - Após sua saída do Angra, você formou o Shaman, que na minha opinião lançou um dos melhores álbuns nacionais de todos os tempos, Ritual (2002). Era exatamente isso que você buscava quando resolveu sair do Angra? Também nesse grande álbum "descobrimos" o grande guitarrista que Hugo Mariutti é.
AM - Sem dúvida, foi o "debut" do Hugo, que é meu grande parceiro até os dias de hoje. A proposta do Shaman era mostrar que poderíamos continuar fazendo música verdadeira, sem a necessidade de seguir os passos anteriores no Angra; os estilos diferiam bastante e até mesmo a formação da banda mostrava isso. Foi uma ascensão meteórica; em menos de um ano estávamos na televisão e nas paradas das rádios em todo o Brasil, era algo que não esperávamos. Isso teve um lado negativo, que foi o fato de a banda tornar-se tão conhecida no Brasil (e, por consequência, ocupada) - que acabamos deixando o exterior em segundo plano. Ritual é considerado pela maioria como o melhor álbum do Shaman, e talvez o seja, em função da variedade de influências e elementos - mas não deixo de salientar que o Reason é um dos álbuns mais bem produzidos de toda a carreira; ele possui uma sonoridade única.
RR - Aqui, eu preciso lhe dizer algo completamente pessoal. Em 2006 eu e minha esposa resolvemos nos casar, tanto no civil como na igreja. E sabe, tem que escolher uma música para entrar na igreja.. Escolhi Fairy Tale. Com isso, posso assim dizer que a sua música ficará pra sempre marcada na minha vida.
AM - Pois digo que vocês não foram os únicos. Jamais imaginei tal uso para uma composição minha, mas me deixa deveras honrado saber que ela é a opção de muitos casais nesta hora tão importante e decisiva da vida. Poder estar presente, mesmo em forma de música, é um privilégio: sinal de que em algum momento de minha carreira, consegui compor uma peça que entrou no rol dos grandes clássicos (Wagner, Mendelssohn, etc), os quais geralmente são a escolha comum para este tipo de ocasião. Perdi a conta de quantas pessoas relataram o mesmo fato, e é algo bastante gratificante. Por isso, também, é uma música que geralmente não pode faltar no set list de qualquer um de nossos shows.
SHAMAN
RR - Você esteve em três bandas extremamente importantes (Viper, Angra e Shaman), em inúmeros projetos também. Quando que você decidiu que era a hora de partir pra uma carreira solo?
AM - Quando percebi que não havia outra alternativa. Nem chegou a ser uma opção: foi praticamente a única saída para continuar a carreira. Tive diversos problemas burocráticos, empresariais e jurídicos no passado envolvendo direitos autorais e disputas pelos nomes das bandas (salvo o Viper) - e decidi dar um basta nisso. De início não foi tarefa fácil. Mas com o tempo, se provou mais lógico e transparente dessa forma. Às vezes, ainda me pego estranhando o fato de que as pessoas vão assistir a um show cuja banda carrega o meu próprio nome: nesses momentos, a responsabilidade em função da qualidade pesa bastante.
AM - Não foi pensado desta forma; como disse, foi a única alternativa restante. Não faria mais sentido voltar com um novo nome de banda, isso não traria qualquer credibilidade. Ao mesmo tempo, acho que o grande ganho que se teve foi justamente o fato de, numa banda solo, você poder revisitar toda a sua carreira musical, do início ao fim, sem correr o risco de não parecer autêntico. É uma obra que lhe pertence. E, além disso, ainda há a possibilidade de compor coisas novas - já estamos no terceiro disco solo! Desta forma, me sinto bem mais livre para interpretar e também para criar.
RR - Em 2011 foi lançado o álbum In Paradisum do Symfonya, banda que contava com você nos vocais, Timmo Tolki na guitarra, Jari Kainulainen no baixo, Mikko Harkin nos teclados e Uli Kusch na bateria. Ou seja, um super time de músicos. Mas o projeto não vingou comercialmente. Por qual motivo isso aconteceu?
AM - Na minha opinião, vingou muito bem musicalmente. Talvez não tenha vingado comercialmente à altura do que o Timo esperava. E isso foi uma pena, pois acho que era um projeto que tinha um belo futuro pela frente - sem grandes pretensões; apenas de fazer o bom e velho metal melódico como todos sabemos fazer. Para mim foi um grande orgulho trabalhar com esse time de músicos e estar junto a eles; aprendi bastante nessa produção. Lamentavelmente, o Timo resolveu desfazer a banda da mesma forma como a fez. E nós, ainda que bastante surpresos, nada pudemos fazer para impedí-lo. Me lembro que na época ele chegou a citar que iria abandonar a carreira musical para sempre, mas não parece ter sido o que aconteceu...
AM - Veja bem, eu não guardo qualquer rancor do Timo. Acho ele um dos maiores músicos com quem já trabalhei, o cara tem um talento nato. Infelizmente, ele também sofre de outros problemas que o deixam instável. E com isso torna-se uma pessoa difícil - ainda que, durante todo o período em que estivemos juntos em estúdio trabalhando, nos entendemos muito bem e houve zero atrito. A mudança de atitude só veio meses depois. E, nestes termos, acho que eu também pensaria duas vezes em voltar a trabalhar com ele. Mas digo isso sem nenhum sentimento ruim: torço para que ele se estabilize e que, finalmente, consiga fazer algo definitivo em sua vida. Seria uma pena que um talento desses caísse no esquecimento em função de causas externas com as quais ele próprio parece não conseguir lidar.
RR - Falando agora do Angra. O que você achou da escolha de Fabio Lione para o posto de vocalista da banda? Acho ele um excepcional vocalista, mas não para o Angra...
AM - Bem, recentemente já causei muitas polêmicas ao revelar algumas opiniões pessoais acerca do assunto Angra. Quanto ao Fabio, é um excelente vocalista e ponto. Também o admiro e respeito como pessoa; nunca me esquecerei do dia em que ele viajou 500km de carro apenas para ir assistir a um show que iríamos fazer do outro lado da Itália. Desejo o melhor ao Fabio, seja no Angra ou não.
AM - Isso chegou a acontecer, mas sinceramente, não existe a sintonia necessária e, por mais vantajoso que pudesse vir a ser comercialmente, prefiro seguir a minha consciência, em vez de tentar "atuar" em frente ao público. Eu não seria capaz disso, em tais circunstâncias. E, para mim, esta é a essência da música e da arte: se não é feita com verdade, não vale a pena.
RR - E o futuro, André? O que podemos esperar? Há planos para um dvd da banda solo? Mais shows?
AM - O futuro nos aguarda agora, dia 15 de dezembro, domingo próximo, no Carioca Club, em São Paulo. Será o encerramento de um período de dois anos de atividade quase ininterrupta e estamos preparando um concerto sem igual, com várias surpresas- além, é claro, do repertório que deixará saudades. É a última oportunidade, portanto espero ver toda a nossa galera reunida para essa festa antes do fim do ano. Daqui pra frente nem nós sabemos; estamos 100% focados nesse show e, depois de um merecido descanso, traçaremos então novas rotas para 2014!
RR - André, gostaria novamente de agradecer pela disponibilidade em nos atender. Quero dizer novamente que tua música é muito importante na minha vida. E pode ter certeza, que continuará sendo. Deixo aberto esse espaço final pras tuas considerações finais. Um grande abraço!
AM - Quero deixar meus agradecimentos a todos os que comparecerem nesta extensa tour. Foram momentos muito especiais, que não se apagarão de nossas memórias! Obrigado.
Sergiomar Menezes
Sergiomar Menezes
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