quarta-feira, 16 de junho de 2021

GUEPPARDO - I AM THE LAW (2021)

 


GUEPPARDO - I AM THE LAW (2021)
Doctor Rock/Hurricane Records
Metal on Metal (Espanha)

Fazer Rock no Brasil não é uma tarefa fácil. Imagine fazer Hard/Heavy tendo que nadar contra a maré e matar um leão por dia para sobreviver. Esse é o caso de muitas bandas nesse país que insiste em dar voz e vez a artistas artificiais que em nada acrescentam ao nosso cenário musical. Felizmente, muitas bandas não se entregam e seguem firmes nessa difícil de batalha de se manter firmes e fortes. E a gaúcha GUEPPARDO é um desses casos. Lutando no underground desde 2007, o quarteto chega agora ao seu terceiro full lenght, o ótimo I AM THE LAW (2021), que sai pela parceria Doctor Rock/Hurricane Records e pelo selo espanhol Metal on Metal. Navegando pelo Hard/Heavy dos anos 80, mas trazendo consigo influências diversas, o grupo mostra que o Rio Grande do Sul e o Brasil estão muito bem representados nesse segmento, ainda que o reconhecimento não seja o devido...

Thiago Gutierres (vocal), Perÿ Rodriguez ((guitarra), Rafael Yadek (baixo) e Julio Sasquatt (bateria) nos trazem 09 faixas repletas de energia e de uma atmosfera que transborda, além de muito bom gosto, honestidade. Agregando à sua personalidade uma vasta gama de influências, tais como Accept, Scorpions, Dio, Dokken, Yngwie Malmsteen, entre outros, o quarteto mostra que não é preciso se render a nenhum modismo ou mesmo algo mais "moderno" para mostrar seu valor. Aliada a isso, a produção de Sebastian Carsin primou por manter as características da banda, quais sejam, peso na medida certa e uma sonoridade bastante orgânica, o que garantiu a I AM THE LAW um atrativo a mais. Ainda, a mudança de direcionamento, deixando de cantar em português e passando para o inglês, também trouxe um novo parâmetro para o grupo.

O trabalho abre com "Beyond and Far" que, logo de cara, explicita de forma direta o que a banda quer: fazer Hard/Heavy como antigamente, mas sem soar datado. As guitarras trazem uma forte influência do cenário alemão. Não à toa, o guitarrista Perÿ afirma que seu ídolo nas seis cordas é Michael Schenker. E isso fica fácil de constatar, uma vez que o guitarrista consegue passar essa influência num solo bastante inspirado. A cozinha da banda tem destaque na faixa título, pois mostra uma coesão e precisão, deixando livre o território para um riff inspirado, lembrado os bons tempos do metal. Thiago possui um timbre muito interessante e que casou bem com a proposta da banda, pois nem sempre a troca de vocalista acaba dando certo e com a Gueppardo isso não aconteceu. Dono de um alcance bem dosado, sem exageros, Thiago mostra identidade, algo raro nos dias de hoje. "Price to Pay" vem na sequencia e tem uma atmosfera mais Hard, principalmente pelos riffs de guitarra. Obviamente que o "peso" do Heavy acaba aparecendo dando uma pegada mais intensa à composição. "When I'm Gone" é uma balada dona de uma bela melodia, dotada de linhas próximas das composições do estilo na década de 80. Thiago mostra, mais uma vez, excelente desenvoltura, pois em faixas assim é que o vocalista acaba sendo mais exigido. Confesso que em alguns momentos sua voz me trouxe a lembrança o saudoso Ronnie James Dio...

O peso da guitarra comanda "Forgotten Dreams", num dos momentos em que a banda acaba por explorar sua veia oitentista de forma bem mais direta e precisa. Você deve estar pensando: Como que o cara escreve que a banda tem esse lance dos anos 80 e não soa datada? Simples: ela tem personalidade! Basta ouvir com atenção para entender o que estou falando. E a produção mais orgânica também acentua essa face do grupo. O que também pode ser apreciado em "Lights of Freedom", faixa subsequente, dotada de ótimas linhas de guitarra. Mas "Midnight City", que vem em seguida, é aquela faixa que pode ser considerada o grande destaque. A composição tem um direcionamento que parece estar totalmente voltado para o Hard Rock, mas a guitarra guia seu caminho para um lado mais Heavy Metal. Afora isso, um refrão muito bem encaixado e um solo inspirado, garantem à ela o título de melhor faixa do trabalho. "End of the Line" traz mais um ótimo momento da dupla Rafael (baixo) e Julio (bateria), que entregam à composição peso na medida certa. O solo também merece destaque, ainda mais pelo belo timbre da guitarra de Perÿ. O encerramento vem com o cover de "Don't Worry Baby" dos Beach Boys, que ganhou uma interpretação bem pessoal por parte da Gueppardo, mas que soube manter a atmosfera original da composição.

I AM THE LAW é um álbum que vem para confirmar a boa fase da GUEPPARDO. Após a mudança de formação, antes do lançamento do CD anterior ( Execução Sumária), a banda não parou de trabalhar nenhum minuto e, apesar da dificuldades, inclusive as impostas pela pandemia, volta à carga com um trabalho de excelente qualidade. Que sigam nessa direção. Os fãs da boa música agradecem!

Sergiomar Menezes







quarta-feira, 9 de junho de 2021

BEHOLDER'S CULT - OUR DARKEST HOME (2021)

 



BEHOLDER'S CULT - OUR DARKEST HOME (2021)
Independente - Nacional

Quase quatro anos se alongam entre “Cult Of Solitude” — a primogênita página discográfica dos brasilienses do Beholder's Cult e “Our Darkest Home”, o seu primeiro capitulo sonoro completo. Quatro longos anos de espera que serviram como um período para amadurecer ideias e conceitos, para dar formas e corpos sólidos aos pensamentos musicais da banda. Uma longa espera, comum talvez, se considerarmos todos as inúmeras revezes que habitam o dito cenário Underground. Como se não bastasse, ainda tivemos a pandemia quase eterna e persistente chamada Covid-19, os incontáveis infortúnios e transtornos causados por ela; vidas ceifadas, incertezas, planos, projetos e sonhos que foram adiados ou que não tiveram tempo de tornarem-se concretos. Enfim, voltemos à música, nosso único conforto nesses dias longos de pouca luz, calor e ralas esperanças.

As influências que antes vinham à superfície do trabalho desenvolvido pelo quarteto foram melhor equilibradas e diluídas, os ecos de Tiamat, Lake Of Tears, Katatonia e da tríade britânica ainda existem, mas estão cada vez mais longínquos e sem tantas pronúncias. Com menos elementos externos em sua paisagem musical, coube à banda criar sua própria tela, valendo-se de sua própria paleta de cores e inspiração. Ao fim da pintura percebemos que as pinceladas ainda exibem resquícios de outras escolas e décadas, mas a assinatura está cada vez mais definida e texturizada.

A moldura que envolve a já citada pintura é criação de Zakuro Aoyama — minimalista, mas profunda, sóbria e interpretativa. A própria banda zelou pela produção. Quanto aos detalhes — aparas e acertos, eles ficaram a cargo de Rafael Giraldi e Victor Hormidas. Aliás, cabe dizer que tanto a mixagem quanto a  masterização são surpreendentes; as composições ficaram ainda mais orgânicas, volumosas e fluidas; um trabalho realmente distintivo, que soube como assinalar cada uma das qualidades dos respectivos músicos e seus instrumentos. Basta ouvir as belíssimas trilhas de teclado de Pedro Paes; as linhas suntuosas de baixo criadas por Luciano Dias e também os riffs e melodias tão metodicamente redigidos pelo guitarrista e também vocalista Felipe Stock. Saindo do ateliê, vamos enfim à obra.

“Samsara” é a faixa incumbida de criar toda a ambientação do disco, que apesar de não ser de todo conceitual, baseia-se na ideia da vida como sendo uma longa e árdua jornada sob um sol impiedoso — jornada essa que inicia-se na noite e na mesma finda-se, tal qual a vida, essa jornada é permeada por momentos, por significâncias e transições: nascer e morrer; o trajeto entre ambos. Adornada por sons ambientais, a faixa é um pseudo instrumental que vai dilatando-se em sutis linhas de guitarra, belos discorreres de teclados, bateria mezzo tribal e vozes femininas belíssimas. “Shadows”, a composição seguinte, é a melancolia em trajes elegantes; bateria e baixo bem sublinhados, Felipe Stock seguro tanto em seus vocais quanto em seus dotes guitarrísticos e os teclados a tecer a alma que habita abaixo da pele e carne do tema. “Starry Queen” e “Crestfallen” são temas que nos rendem frente à sua beleza e seus tantos contrastes. A primeira citada é abrilhantada pelos vocais impecáveis de Marcela Dourado (que cedeu seus predicados também a já citada, “Samsara”, e mais a frente volta a brilhar na magnífica, “Ivory Tower”), quanto a segunda, a mesma conta com os vocais de Zé Misanthrope e também com um belo solo de guitarra de Lucas Guimarães. “Conceiving Silence” é o Beholder's Cult em seu habitat — transitando com desenvoltura entre o Doom, o Gothic Rock/Metal e o Post-Punk.

 O interlúdio “Whispers Of Dusk” nos prepara para configuração final do disco, composta por “Weight Of The Sun” e as épicas: “Ivory Tower” e “Empty Inside”. A primeira é totalmente carregada por aquele sentimento Doom noventista; atmosférica, densa e agridoce — podendo desde já ser tomada por um hino da banda, tanto que fez parte da coletânea “Brazilian Doom Metal” (Pagan Tales Records). Quanto às duas seguintes, bem, estas são duas suítes onde o quarteto explora todas as suas qualidades e inspirações. Aos entalhes de beleza, citanto “Ivory Tower”, temos seu impecável arranjo vocal e também o magistral solo de guitarra — devidamente creditado a Victor Hormidas. “Empty Inside” é pontuada por uma dose extra de ousadia, Doom, Post-Punk e até mesmo Shoegaze e Depressive Rock habitam sem atritos na mesma estrutura sonora.

Considerações finais: “Our Darkest Home” é mais um passo do Beholder's Cult rumo à sua própria identidade — uma essência em construção. Um disco equilibrado, potente, honesto e portador de uma balsâmico raro nestes dias, alma. Possui alguns poucos defeitos, mas todos eles se tornam irrelevantes perante a carga emocional  e argumentativa que o trabalho entrega em seus 09 temas. Uma audição prazerosa, evocativa e imersiva — um disco de dicotomias: luzes e sombras, calmarias e tempestades, nostalgia e regozijo. O prefácio das noites, seu amadurecer e seus epílogos pedem por uma audição como essa.

Fábio Miloch




sexta-feira, 4 de junho de 2021

ENTREVISTA - DIVA SATANICA (NERVOSA)

 


Entrevista – DIVA SATANICA (NERVOSA)

Substituições em uma banda são sempre alvo das mais variadas perspectivas. Muitos fãs reprovam antes mesmo de ouvir, outros tantos concordam da mesma maneira. Mas, existe aquela parcela que espera o resultado final para poder emitir sua opinião. E no caso da NERVOSA, essa espera valeu e muito! Afinal, a banda sofreu uma reformulação geral, pois passou de trio a quarteto e com a entrada de três novas integrantes. Diva Satanica (vocal), Mia Wallace (baixo) e Eleni Nota (bateria) uniram-se a Prika Amaral, guitarrista e fundadora da banda, e lançaram Perpetual Chaos (Napalm Records/Shinigami Records), um dos mais aguardados e porquê não dizer, um dos melhores álbuns de 2021. Para falar sobre essas mudanças, sobre o álbum e planos para o futuro, conversamos com a vocalista Diva Satanica, sempre simpática e solícita. O resultado você pode ler logo abaixo.

Sergiomar Menezes

Rebel Rock – Pra iniciar, gostaria de agradecer pela disponibilidade para entrevista, ainda mais sabendo da agenda apertada depois do lançamento de Perpetual Chaos. Muito obrigado! Mas já entrando no álbum, como a banda viu o lançamento do trabalho? O CD saiu de acordo com as expectativas da própria banda?

Diva Satanica: Ficamos muito gratas por todo o apoio. Foi uma situação muito difícil, a gente não se conhecia, tivemos que trabalhar na distância… mas tudo foi muito legal pra nós!

Rebel Rock – Uma das primeiras percepções durante a audição do álbum é que seus vocais deram uma certa revigorada, até mesmo no estilo da banda. Muito porque os vocais da Fernanda tinham uma pegada muito mais voltada pro death metal, enquanto o seu, ainda que também possua essa característica, se mostra mais versátil. Você também percebe essa diferença?

Diva: Acho que não: o meu registro é o growl, típico do death metal, Fernanda usa o vocal fry que permite coisas diferentes. O growl tem mais contundência pela frequência que emite, mas o fry permite cantar frases muito longas. São estilos diferentes. A gente queria poder buscar um ponto próximo entre o registro passado e o meu próprio para manter a minha identidade como vocalista sem perder a essência do som da banda.

Rebel Rock – “Venomous” abre o CD de forma direta, concisa e brutal. O que não é nenhuma novidade em se tratando da Nervosa (risos). Mas é nítido que a banda tá com aquele “sangue no olho”, tão importante e ao mesmo tempo, mostra que o entrosamento entre vocês, apesar da forma como foi gravado o álbum, é bastante consistente. Como foi o processo de composição e gravação de Perpetual Chaos?

Diva: Foi muito intenso porque foram muitas horas e a situação era difícil: escrever um novo álbum é um processo muito íntimo e não tem a experiência prévia de trabalhar juntas, mas a gente tem a mente aberta e isso fez mais fácil tudo. Passamos 3 meses compondo e 1 mês no estúdio e isso serviu para conhecer melhor a gente.



Rebel Rock – “Guided by Evil”, primeira faixa divulgada, apresenta características voltadas ao thrash/death, uma vez que tem um início denso, pesado e sombrio, mas ganha velocidade e agressividade muito próximas do thrash alemão. Um dos segredos para essa identidade são os solos de Prika, que prezam mais pela linha brutal do que melódica. Mas sua voz também consegue esse destaque, pois vai do gutural mais ríspido ao mais rasgado sem muita dificuldade. Conte um pouco sobre sua escola enquanto vocalista.

Diva: A gente queria encontrar esse equilíbrio entre o registro da Fernanda e o meu próprio e o que achamos foi que eu precisava de me aproximar mais dos registros agudos para manter uma base similar. Prika trabalhou muito também nos solos para aportar um som mais clássico e com influências novas.

Rebel Rock – Eleni Nota se destaca em “People of the Abyss”. Dona de uma pegada que alia ténica e peso, a baterista caiu como uma luva na banda. Qual sua impressão acerca do trabalho desenvolvido por ela e o quanto ela acrescentou em brutalidade ao som da Nervosa?

Diva: Eu sou muito grata por trabalhar com meninas tão talentosas. Eu conheci muitos bateristas na minha vida, muito profissionais mas nunca como a Eleni. Ela tem algo muito especial. Para mim é uma das melhores bateristas do mundo.

Rebel Rock – Outro grande momento é a faixa título. Variada, alternando passagens mais lentas e pesadas com outras recheadas de agressividade, ela consegue transmitir ao ouvinte toda a personalidade do quarteto. O que essa composição representa para você e para a banda como um todo?

Diva: “Perpetual Chaos” é o resumo do que a gente quer transmitir no álbum: fala da conduta humana e de como erramos sempre nas mesmas coisas desde séculos atrás: o egoísmo, a corrupção, a contaminação, os abusos… têm muita influência de bandas clássicas como o Slayer e Sepultura.



Rebel Rock – Perpetual Chaos também traz algumas participações bem interessantes. A primeira é a do guitarrista brasileiro Guilherme Miranda (Entombed A.D./Krow) na faixa “Until the Very End”. Como se deu a participação dele e o quanto ele contribuiu para a composição?

Diva: Guilherme é amigo da Prika desde faz muitos anos. Ele é um grande guitarrista e ajudou a gente em todo o processo de gravação.

Rebel Rock – Ainda na esteira das participações, Schmier Fink do Destruction, uma das lendas do thrash metal mundial, é o convidado em “Genocidal Command”, que poderia facilmente estar em um disco dos alemães. A Nervosa já dividiu os palcos com o quarteto germânico. Vem daí essa proximidade e amizade?

Diva: Schmier também é um grande amigo da Prika. A gente procurava um vocalista mais melódico para essa música e ele é perfeito com essa versatilidade incrível nos vocais.

Rebel Rock – Erik AK (Flotsam And Jetsam) é o convidado em “Rebel Soul”, uma faixa que remete aos primórdios do thrash metal americano. Como foi para você dividir os vocais, ainda que à distância, com um dos grandes nomes daquele cenário?

Diva: Tudo foi com a distância por causa da pandemia, mas quando a gente é profissional não tem obstáculos. Não imaginava que os meus vocais poderiam encaixar de uma forma tão legal com uma voz tão diferente,  mas Martin Furia o nosso produtor, fez um trabalho incrível também.



Rebel Rock – Falando sobre as guitarras, não é novidade falar sobre a qualidade de Prika enquanto guitarrista. Mas nesse trabalho parece que ela, talvez em virtude dos acontecimentos, quis provar a todos que quando o assunto é riffs, ela não fica a dever nada a ninguém. Criatividade, ousadia e uma dose extra de agressividade se fazem presentes durante toda a audição. Como você avalia esse quesito de Perpetual Chaos?

Diva: Prika é uma artista completa: ela escreve qualquer instrumento, os riffs de guitarra mais incríveis e as melhores letras. Ela queria apostar em explorar novos caminhos e acho que essa liberdade compositiva foi muito boa para o álbum.

Rebel Rock – A pandemia parece estar dando sinais de enfraquecimento ao redor do mundo. Alguns países e bandas estão agendando turnês para este ano ainda. Como estão os planos da Nervosa para este futuro próximo?

Diva: A gente cancelou muita coisa, mas já temos algumas datas para este verão na Europa. Não podemos aguardar mais para mostrar o que esta nova formação vai ser ao vivo!

Rebel Rock – E seu trabalho com a Bloodhunter? Como está no momento?

Diva: Neste mês de junho por fim poderemos entrar a gravar o nosso terceiro álbum de estúdio. A pandemia foi especialmente difícil para nós como banda porque cancelamos todos os planos. Agradeço muito a toda a gente que pergunta pela banda e mostra interesse!

Rebel Rock – Diva, mais uma vez, obrigado pela entrevista e deixo esse espaço final para você mandar um recado para os fãs e leitores do blog!

Diva: Muito obrigada pela atenção, mal posso aguardar para conhecer a todos vocês na próxima turnê. Nervosa will never die!!!