Independente - Nacional
As influências que antes
vinham à superfície do trabalho desenvolvido pelo quarteto foram melhor
equilibradas e diluídas, os ecos de Tiamat, Lake Of Tears, Katatonia e da
tríade britânica ainda existem, mas estão cada vez mais longínquos e sem tantas
pronúncias. Com menos elementos externos em sua paisagem musical, coube à banda
criar sua própria tela, valendo-se de sua própria paleta de cores e inspiração.
Ao fim da pintura percebemos que as pinceladas ainda exibem resquícios de
outras escolas e décadas, mas a assinatura está cada vez mais definida e
texturizada.
A moldura que envolve a
já citada pintura é criação de Zakuro Aoyama — minimalista, mas profunda,
sóbria e interpretativa. A própria banda zelou pela produção. Quanto aos
detalhes — aparas e acertos, eles ficaram a cargo de Rafael Giraldi e Victor
Hormidas. Aliás, cabe dizer que tanto a mixagem quanto a masterização são surpreendentes; as
composições ficaram ainda mais orgânicas, volumosas e fluidas; um trabalho
realmente distintivo, que soube como assinalar cada uma das qualidades dos
respectivos músicos e seus instrumentos. Basta ouvir as belíssimas trilhas de
teclado de Pedro Paes; as linhas suntuosas de baixo criadas por Luciano Dias e
também os riffs e melodias tão metodicamente redigidos pelo guitarrista e
também vocalista Felipe Stock. Saindo do ateliê, vamos enfim à obra.
“Samsara” é a faixa
incumbida de criar toda a ambientação do disco, que apesar de não ser de todo
conceitual, baseia-se na ideia da vida como sendo uma longa e árdua jornada sob
um sol impiedoso — jornada essa que inicia-se na noite e na mesma finda-se, tal
qual a vida, essa jornada é permeada por momentos, por significâncias e
transições: nascer e morrer; o trajeto entre ambos. Adornada por sons
ambientais, a faixa é um pseudo instrumental que vai dilatando-se em sutis
linhas de guitarra, belos discorreres de teclados, bateria mezzo tribal e vozes
femininas belíssimas. “Shadows”, a composição seguinte, é a melancolia em
trajes elegantes; bateria e baixo bem sublinhados, Felipe Stock seguro tanto em
seus vocais quanto em seus dotes guitarrísticos e os teclados a tecer a alma
que habita abaixo da pele e carne do tema. “Starry Queen” e “Crestfallen” são temas
que nos rendem frente à sua beleza e seus tantos contrastes. A primeira citada
é abrilhantada pelos vocais impecáveis de Marcela Dourado (que cedeu seus
predicados também a já citada, “Samsara”, e mais a frente volta a brilhar na
magnífica, “Ivory Tower”), quanto a segunda, a mesma conta com os vocais de Zé
Misanthrope e também com um belo solo de guitarra de Lucas Guimarães.
“Conceiving Silence” é o Beholder's Cult em seu habitat — transitando com
desenvoltura entre o Doom, o Gothic Rock/Metal e o Post-Punk.
O interlúdio “Whispers Of Dusk” nos prepara
para configuração final do disco, composta por “Weight Of The Sun” e as épicas:
“Ivory Tower” e “Empty Inside”. A primeira é totalmente carregada por aquele
sentimento Doom noventista; atmosférica, densa e agridoce — podendo desde já
ser tomada por um hino da banda, tanto que fez parte da coletânea “Brazilian
Doom Metal” (Pagan Tales Records). Quanto às duas seguintes, bem, estas são
duas suítes onde o quarteto explora todas as suas qualidades e inspirações. Aos
entalhes de beleza, citanto “Ivory Tower”, temos seu impecável arranjo vocal e
também o magistral solo de guitarra — devidamente creditado a Victor Hormidas.
“Empty Inside” é pontuada por uma dose extra de ousadia, Doom, Post-Punk e até
mesmo Shoegaze e Depressive Rock habitam sem atritos na mesma estrutura sonora.
Considerações finais: “Our Darkest Home” é mais um passo do Beholder's Cult rumo à sua própria identidade — uma essência em construção. Um disco equilibrado, potente, honesto e portador de uma balsâmico raro nestes dias, alma. Possui alguns poucos defeitos, mas todos eles se tornam irrelevantes perante a carga emocional e argumentativa que o trabalho entrega em seus 09 temas. Uma audição prazerosa, evocativa e imersiva — um disco de dicotomias: luzes e sombras, calmarias e tempestades, nostalgia e regozijo. O prefácio das noites, seu amadurecer e seus epílogos pedem por uma audição como essa.
Fábio Miloch
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