quarta-feira, 12 de agosto de 2020

QUILOMBO - ITANKALE (EP)



A proposta do grupo paulista QUILOMBO é repassar momentos históricos da humanidade dentro da musicalidade do underground, mas nunca esquecendo de suas origens, quais sejam, o Death Metal, o Grind e o Hardcore. E o EP de estréia, intitulado ITANKALE ("Evolução" na língua Yorubá), mostra que o objetivo foi alcançado com louvor, uma vez que a sonoridade da banda carrega muito desses elementos. E olha que lançar um trabalho no formato conceitual, ainda mais sendo aquele que vem à apresentar o grupo, não é tarefa das mais fáceis. A idéia não é levantar nenhum tipo de bandeira política, mas usar o Metal para traduzir seus pensamentos acerca das histórias tendenciosas e tentar desmascarar fatos que se alastraram no decorrer do tempo de forma direta, brutal e agressiva.

Formada por Allan Kallid (guitarra e baixo) e Panda Reis (bateria e vocal), a banda traz consigo toda a fúria do death metal, mas como citado no início da resenha, agrega à sua sonoridade elementos do Grind e do Hardcore sem parcimônia, ou seja, é pedrada atrás de pedrada! aliada a essa musicalidade extremamente brutal e agressiva, temos o conceito envolvendo o trabalho, de forma que som e letra acabam encaixando de forma exata mostrando que a criatividade e versatilidade da dupla se sobressaem durante a execução do EP. Importante lembrar ue o trabalho foi gravado entre dezembro de 2018 e janeiro de 2019 por Guilherme Sorbello no estúdio "O Beco", em São Paulo. 

Uma das coisas que mais chamam a atenção em ITANKALE é esse conceito desenvolvido pelo grupo, mas não pense que por trás disso existe aquela auto-piedade que muitas vezes faz cair por terra a legitimidade daquilo que é exposto. Muito mais do que contar uma história, o EP traz a história do africano que que veio escravizado para o Brasil e que teve que se adaptar a uma realidade completamente diferente daquela que estava acostumado a viver. Imagine reis, príncipes, rainhas que reinavam em seus países de uma hora para outra se tornarem escravos, tendo suas vidas viradas do avesso. Por mais que se possa imaginar tal situação, apenas quem viveu isso na carne, e muitos ainda vivem essa realidade, podem relatar o quão criminosa e cruel foi essa reviravolta.

"Melanina" abre o EP trazendo toda fúria e brutalidade do grupo expressa de forma contundente em sua execução. Entretanto, mudanças de andamento e inserção de elementos tribais, concedem À faixa uma característica bem peculiar, mostrando que o death metal do grupo pode sim ser acrescido de outras sonoridades sem que perca sua agressividade. O vocal de Allan é outro ponto importante dentro desse contexto, uma vez que seu gutural agrega uma dose extra de peso à música. Já "Ancestralidade" começa com uma narrativa extraída de "When the Hurt is Over" do cantor Might Sam McClain. Mas logo em seguida recebe uma carga volta ao lado mais cadenciado do estilo, o que faz com que uma atmosfera mais densa e obscura circule ao redor da composição. "Treze Nações" é introduzida por um som bem característico, qual seja, um berimbau que abre as portas para que o lado mais grind/hardcore do grupo ganhe espaço. Curta e direta, a faixa é um dos destaques do EP.

Também curta, mas sem economia de rispidez e agressividade, "Descendentes de Reis" mantém a pegada da faixa anterior, mostrando que Panda domina com segurança a arte de sentar o braço na bateria. "Semi Deusas" é, na minha opinião, o maior destaque do trabalho. Isso porque consegue condensar em seus quase 3 minutos, toda a bagagem do grupo pelo seara do death metal. Sem deixar espaço para nenhuma espécie de modernidade, a faixa respira a veia underground de forma certeira, trazendo até mesmo momentos que se aproximam do thrash metal. Baita música! O encerramento vem com "Diáspora d.C" outro momento grindcore, que traz em sua letra, uma crítica muito interessante de como a cultura acabou se tornando algo totalmente comercial. Triste, mas verdadeiro...

ITANKALE é um trabalho repleto de honestidade e qualidade. Concebido de forma conceitual, suas faixas se encaixam no contexto, mas é possível ouvi-las separadamente sem que isso venha a prejudicar a audição de cada uma. Muito mais do que um simples EP de death/grind/hardcore, o trabalho mostra que o QUILOMBO tem conteúdo e conhecimento de causa para tanto. Que venha logo um álbum completo!

Sergiomar Menezes








Nenhum comentário:

Postar um comentário