terça-feira, 12 de setembro de 2023

BURNING WICTHES – THE DARK TOWER (2023)

 


BURNING WICTHES 
THE DARK TOWER
Shinigami Records/Napalm Records

Vamos sair do lugar comum: escrever sobre o novo álbum da banda suíça Burning Witches não é uma tarefa fácil. Na realidade, existia sim a possibilidade de percorrer um caminho mais seguro e simplesmente ater minha atenção à sonoridade, à composição e à produção da quinta obra das Bruxas Suíças, entretanto, não é o que pretendo, ao menos, incidentalmente nesta resenha-crítica.

O fato é que falar sobre bandas compostas integralmente de mulheres em um universo tradicionalmente dominado por grupos formados essencialmente por homens provoca, em alguma medida, uma inquietação e uma necessidade de reflexão em virtude do contexto traçado. Afinal, não sejamos hipócritas: mas podemos imaginar quantas vezes essas garotas foram julgadas antes por suas aparências e atributos físicos em vez de serem apenas apreciadas pela arte a qual se propõem a fazer? Ora, apenas um inconsciente fã do estilo que passou a última década isolado e incomunicável em uma ilha no Pacífico poderia afirmar que sequer ouviu falar no nome desse grupo por aí. A factual realidade é que as moças vêm galgando gradativamente mais espaços desse gênero musical, tornando-se rapidamente um dos nomes mais destacáveis do estilo – aquele heavy tradicional com doses generosas de power metal – e uma das presenças mais frequentes nos maiores festivais de metal do mundo – como ocorreu recentemente no Wacken 2023.

Assim, não posso recair no buraco de apenas dizer se o álbum é bom ou não; há muito mais a se considerar. É conveniente, acima de tudo, enfatizar que a o caminho aberto por essas Bruxas até o patamar em que estão não deve ter sido uma coisa fácil. Quando surgiram, lá em 2017 em seu álbum de debut, intitulado homonimamente de “Burning Wicthes”, quando enfim chamaram a atenção da indústria, seu primeiro rótulo foi o “Judas Priest feminino”. Sim, exatamente isso! Ainda que saibamos a honraria que é ostentar uma comparação com os Metal Gods, notem que elas vivem de validação e de analogias verbais sempre correlacionadas ao viés e ao escrutínio masculino. Sim, eu sei, elas entraram em um campo de batalha forjado por nomes como Iron Maiden, Helloween e o próprio Judas Priest, mas não sejamos tolos a achar que o fato delas serem mulheres não altera as condições de produção de qualquer espécie de enunciado. Logo, é chegada a hora de entendermos e pensarmos no grupo como um grupo de heavy metal, mais uma trupe de artistas buscando a árdua tarefa do reconhecimento nesse mundo. Como se isso fosse fácil, ainda precisam lidar com as coercitivas imposições de gênero, as quais, tradicionalmente, subjugam o espaço feminino.

Logo, após essa indagação – necessária – é o momento de finalmente falar do novo álbum do quinteto suíço. Formado por Laura Guldemond (vocais), Larissa Ernst (guitarra), Romana Kalkuhl (guitarra), Jeanine Grob (baixo) e Lala Frischknecht (bateria), “The Dark Tower” foi lançado pela Napalm Records e produzido por ninguém menos que Marcel Schmier - baixista e o vocalista da lendária Destruction – e segue a linha estética dos trabalhos anteriores.

Na verdade, ainda que o disco imprima a gana e a energia de uma banda de heavy metal em plena ascensão e sedenta por apresentar o melhor que sabem fazer – e sabem mesmo, pois o grupo conta com instrumentistas de alto calibre – “The Dark Tower” não é um álbum cuja audição será memorável em muito momentos. Na maioria, na verdade.

Com uma não tão longeva carreira, as meninas possuem uma considerável e proeminente produção. Vindas de dois excelentes trabalhos - “Hexenhammer” (2018) e “The Witch of The North” (2021) – era evidente que as expectativas em um novo fruto subsequente estariam em alta. Todavia, quando entramos em uma viagem auditiva pelas 13 faixas do disco, percebe-se que espera não foi tão compensatória quanto se supunha. Como eu disse anteriormente: a energia, a vontade e a qualidade impressas pelas moças estão ali, contudo, o álbum peca na criatividade.

O disco abre com uma faixa introdutória chamada “Rise of Darkness” e, quando essa termina, “Unleash de Beast” surge e faz jus ao seu título (em livre tradução: “Liberem a Fera”), apresentando toda a ferocidade e voracidade dignas de um excelente heavy/power metal. Um dos momentos mais altos do trabalho, tanto que virou carro-chefe, conforme visto no videoclipe divulgado pelas mídias.

Na sequência, “Renegade” mantém a audição aquecida com um trabalho incrível de guitarras da dupla Larissa Ernst e Romana Kalhul, as quais vão fazer o ouvinte quebrar tudo em uma pegada oitentista do traditional heavy metal. Porém, em “Evil Witch” – embora conte com um primoroso trabalho de bateria de Lala Frischknecht – já `há sinais de falta de inspiração, trazendo a clássica levada “cavalgada” como condutora, mas que, para todos efeitos, faz um bom feijão com arroz.

Entretanto, a anunciada monocórdia aparece na faixa seguinte: “World On Fire”. Vemos aqui o clássico caso da excelência acomodada a qual ficou em terreno seguro e inerte. Os vocais de Laura no pre-chorus e no próprio refrão, assim como as linhas de guitarras, soam desinteressantes e desinteressadas. Os clichês são jogados aleatoriamente ao longo da faixa sem uma visível clareza de objetivo. Para ouvidos mais atentos e treinados no estilo, é o típico caso da faixa a qual se escuta os primeiros minutos e se pula antes de terminar.

A próxima música é a balada “Tomorrow”, em que vemos a versatilidade vocal de Laura Guldemond em um ritmo menos acelerado e energético. Funciona bem ao contexto geral de “The Dark Tower”, mas também não se trata de um momento tão relevante da audição. A próxima, “House of Blood” é feita com efeitos sonoros atmosféricos (portas rangendo, caixinha de música, risadas e gritos de lamúria) servindo como ponte para a faixa nome do título: “The Dark Tower”. Essa começa com os tambores de Lala rompendo o clima, dando a impressão que estamos sendo introduzidos a um mundo sombrio de um bom filme de terror. A letra da composição também aposta nisso, com alusões diabólicas e à rituais macabros. Porém, não demora muito para a adrenalina cair e estarmos preso em mais um roteiro monótono e previsível. Seguindo a analogia do cinema, é o caso em que o cartaz é melhor do que o próprio filme.
Então, quando você começa a perder o ânimo, as meninas lançam “Heart of Ice”, nona e talvez melhor faixa. Os vocais de Laura atingem um tom emocional que condizem com o refrão melancólico que lamenta “estar perdida em um coração de gelo” e o duo de guitarras de Romana e Larissa tematizam esplendidamente o desconsolo, alterando em solos cheios de sensibilidade e riffs poderosos. Aliás, os solos dessa música podem ser, indubitavelmente, expostos orgulhosamente na galeria de preciosidades das Bruxas Suíças. Perfeitos no sentido estrito da palavra.

Depois do provável ápice da obra, somos arremessados novamente ao marasmo nas próximas quatro canções conseguintes. Sem grandes arroubos adjetivos ou predicativos, serei prático – para não dizer “taxativo” – ao mencioná-las na sequência. Assim, “Arrow of Time” é chata e sem graça, possivelmente sendo prejudicada por vir depois de “Heart of Ice”. “Doomed to Die” é pretenciosa e forçada em certas passagens, mas o refrão e os solos salvam. “Into de Unknown” é a expressão do cansaço criativo do grupo, arrastando-se em riffs previsíveis e cadência senso comum. Por fim, “The Lost Souls”, última faixa do álbum, é literalmente a tentativa final em dar conseguir mais um fôlego para uma estratégica retirada de cena. A música é um tanto desorganizada, joga em variâncias rítmicas e sonoras, momentos menos e mais cadenciados, solos que alternam de velocidades... até um derradeiro final desestruturado, simbolicamente performado por um grito de uma mulher – uma bruxa(?) – agonizando ou morrendo. Agourento, não?

O álbum ainda traz de presente duas faixas extras como bônus. E podem ficar calmos: são os covers de “Shot In The Dark” do Ozzy Osbourne e “I Wanna Be Somebody” do WASP, feitas com a excelência técnica e interpretativa das moças.

The Dark Tower” é um trabalho que talvez não elabore o melhor significante do que a Burning Witches pode fazer. Tem pontos altos, mas permanece em uma linha constante e mediana que não empolga como deveria. Como disse ao início desse texto, busquei analisar o grupo pela sua arte, sem nenhum julgamento ou desconsideração relativas a discursos construídos de gênero como muitos fazem, ou evitam ou não sabem como conduzir. Por fim, vamos esperar o próximo degrau a ser alcançado por essa crescente banda, contando, certamente, com o momento em que suas identidades artísticas irão sobrepor quaisquer apontamentos genéricos e insensatos que tantas mulheres no mundo do heavy metal precisam enfrentar corriqueiramente.

Gregory Weiss Costa




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