Por Uillian Vargas
Revisão: Gregory Weiss Costa
Revisão: Gregory Weiss Costa
“Nunca Mais”: impossível pensar nessas palavras e desassociá-las ao poeta que as eternizou no mundo físico. Teria Edgar Alan Poe, com seu poema “O Corvo”, influenciado no batismo da banda composta por Warrel Dane (vocal e letras), Jeff Loomis (guitarra), Jim Sheppard (baixo), Van Williams (bateria)? Bom, quem poderia nos confirmar essa história, não está mais entre nós. Warrel Dane, infelizmente, faleceu em 13 de dezembro de 2017 abrindo uma fenda no estilo que jamais será preenchida. Warrel Dane, nos faz falta!
O ano era 1992, alguns jovens, descontentes com direcionamento da antiga banda, saem da formação da Sanctuary (Dane e Sheppard) para formar a Nevermore. O local, Seatle. O mundo estava iniciando uma ressaca, embebida nas pesarosas melodias do grunge. Principalmente em nessa cidade em específico, o berço do estilo. O Nevermore, então, surge como um fôlego para os metalheads, que ansiavam por novidades. Além de contundentes composições, melodias groovadas, jogando escatologias “aos quatro ventos” com as ácidas letras, a banda vinha escudada por dois destaques incríveis em suas eras. Uma delas é o Jeff Loomis (hoje no Arch Enemy), um dos guitarristas mais incríveis que o metal já revelou. Junto à técnica, dinamismo e ousadia sustentada por ele, chega o farol da (in)sanidade chamado Warrel Dane com suas composições e seu vocal super característico. Discorrer sobre Nevermore, é discorrer sobre Dane, então, não há como fugir da homenagem ao grande artista que partiu cedo demais. Warrel Dane faz muita falta. A banda surge em um movimento muito inovador dentro da própria realidade. Musicando sobre política, filosofia e misantropia, aos ouvidos mais recém-chegados, o som pode não agradar. Usualmente gênios, são mal compreendidos em um primeiro momento. Mas insista, e, assim que o ouvido acostumar, não restará espaço algum para arrependimento.
Em uma escala evolutiva, baseada no gosto deste que vos escreve, abaixo será organizada e comentada discografia do Nevermore, desde o disco menos interessante até o topo do pódio! Evidentemente não será uma tarefa muito fácil, já que a carreira da banda é calcada no dinamismo e na pluralidade sonora. Lembrando: falarei somente dos full-length. EPS, coletâneas e lives, não serão comentados.
The Politics of Ecstasy – 1996
“Mesmo que um copo d’água baste ao sedento, o rio se oferece todo, por isso ele canta.”
Rabindranath Tagore
Na última posição, o segundo lançamento da banda. Um play que provocou opiniões diversas em sua estreia. Os fãs, órfãos com o fim da Sanctuary, e cheios de esperança em razão do debut, foram traídos pela alta expectativa. O disco que tinha tudo para ser um rio cantante, não foi muito além do que o copo d’agua que saciou. Matou a sede sim, mas não foi possível ouvir o rio cantar. A rotulação de groove metal progressivo, nunca foi tão bem aplicada, como neste full. Jeff Loomis esbanja técnica, criatividade, riffs impactantes com pegada futurística em algumas passagens. De um modo geral, definir o The Politics of Ecstasy em poucas palavras, não é uma tarefa muito fácil, pois ao mesmo tempo em que se percebe um excelente trabalho de convívio entre os riffs e da aplicabilidade polirítimica das guitarras. Afinal, o parceiro do Loomis aqui era Pat O’brian (que deixa o Nevermore, para assumir o posto na Cannibal Corpse). Também há aquele sentimento de que o disco, de forma geral, na sua organização hierárquica, “não vai”. Estrelinhas para Loomis (guita), Williams (batera) e Jim Sheppard que está moendo no baixo. Warrel Dane, nessas pradarias, está longe da sua melhor performance, chega a soar um tanto estranho em alguns sons. Como mencionado, causou uma boa divisão na base de fãs que estava surgindo.
Enemies of Reality – 2003
“Daria tudo que sei pela metade do que ignoro”
René Descartes.
Enemies of Reality não é outra sensação, senão um fio de água muito gelada escorrendo pelas costas quentes em um dia frio. Consegue manter um ritmo interessante durante o disco, com algumas ressalvas. Abre muito bem com o som que dá nome ao álbum, o que faz criar expectativa além do que o disco merece. Mas não me julgue como um inimigo do play - na escala crescente, ele ainda é um ponto de fortalecimento na carreira da banda. Se no disco anterior Warrel Dane estava longe do seu ápice inspiracional e de performance, aqui ele está “no caminho”, mas ainda não chegou lá. Assim como disse o pai do método, “eu daria tudo que sei, pela metade da ignorância” dos pensamentos nas cabeças que conduziram o disco por essas linhas. Alguns hão de culpar a produção do disco pelo resultado. Aqui, nas mãos de ninguém mais, ninguém menos que Kelly Gray (Ex-Queensrÿche), que já havia produzido grandes nomes como Dokken, Pride and Glory e o próprio Queensrÿche. Outros, culparão a banda pelo desafio de inovar, ante a própria proposta de se introjetar pela epiderme resolutória, da alteração do estado das coisas. “Never Purify” sim, volta a fazer o ouvinte sorrir: energia, solo forte, base contagiante, ufa! Então, lá vem mais um balde de água gelada. “Tomorrow Turned into Yesterday”, “hemisfericamente” perfeita em sua doçura, até que então a audição torna-se cansativa e nada significante acontece nesse caminho, até ele desembocar na vereda chamada “I, Voyager”. Aqui chegamos ao DNA do Nevermore. Indiscutivelmente, o ponto mais alto do disco. Dentro do contexto, metodicamente, aqui Descartes sorriria. “Noumenon”, sério? Precisa comentar? Mas aí pra encerrar o disco vem a “Seed Awakening”, tipo de som que satisfaz a maioria dos metalheads que gostam de peso, velocidade e técnica. Aqui a banda, agora quarteto formado por Dane (vocal), Loomis (guita), Sheppard (baixo) e Williams (batera), parece que usou o disco para dar um belíssimo e displicente passeio pela montanha-russa. Não é um disco descartável, obviamente, mas também não há muitos argumentos fortes para defendê-lo. Bom, daqui em diante a classificação começa a ficar complicada. Mas, vamos lá.
Nevermore – 1995
“Não há bem que sempre dure, nem mal que nunca se acabe”
Proverbio Português
Voltamos a 1995, debut da banda. Disco já abre diferente, música forte, swingada e letra cativante. Afinal, de fato ninguém “vê o que o amanhã sabe”. No mínimo, questionadora. “C.B.F.” abastece a audição com sua pegada. Warrel voando baixo e se arriscando em alguns falsetes. Em suma, um disco cheio de contrapontos, quiçá o menos progressivo da carreira da banda. Elementos mais suaves dialogando com o peso impregnado e aplicado. Provavelmente ainda herança da então extinta Sanctuary. A audição mais prazerosa, inclusive, permite prestar mais atenção nas letras inteligentíssimas e cheias de atitude. O trio a seguir, impecável: “The Sanity Assassin”, “Garden Of Gray” e “Sea of Possibilities”. Aqui o provérbio Lusitano é lembrado na sua fração que remete ao mal que não perdura. Sintam o poder do vocal do Warrel Dane no som “Sea of Possibilities”. De forma coesa, o disco homônimo, é muito bem apresentado ao mundo e ao investimento criativo rendeu lucrativos frutos. Mostrou ao público uma velha formação, em um novo projeto cheio de identidade e inovação (quando essa palavra não era usada pra definir qualquer coisa). Isso coloca o disco Nevermore em um degrau estranho da classificação de gênero, pois tem riffs oriundos do thrash, tem o groove distinto e busca alguns reforços na progressividade e se abusa da velocidade do power. “Durma com esse barulho”! A genialidade estava pronunciando sua força, já tinha dado bons sinais por aqui. É claro que, com esse disco, a expectativa do segundo play, atingiu níveis estratosféricos.
Dreaming Neon Black – 1999
“A morte deveria ser assim: um céu que pouco a pouco anoitecesse e a gente nem soubesse que era o fim...”
Mario Quintana
Chegamos, então, no trabalho que pode ser considerada a primeira grande obra da banda. O primeiro “masterpiece”. Como discorrer sobre Nevermore, não é uma tarefa simples, hão de encontrar opiniões divergentes sobre a grandiosidade de D.N.B.
Dane, muito impactado sentimentalmente, jogou neste disco, todo seu amargor, todo seu azedume, todo seu rancor e seus questionamentos em relação a fé, religiosidade e espiritualidade. Reza a lenda que a fagulha inspiracional para as composições, foi uma suposta namorada de Warrel Dane que o deixou e desapareceu, após integrar um culto obscuro, quiçá fundamentado pelo consumo de entorpecentes. Esse cenário deixou Warrel Dane muito fragilizado sentimentalmente e, assim sendo, jogou neste disco conceitual todas as agonias que o consumiam durante esse período. Toda obra comunica com o acervo pessoal do expectador. Sabendo disso, volte no disco e o escute mais uma vez. Tendo amado alguém, algum dia, eu aposto (e não erro) que alguma faixa vai conversar contigo depois disso. Provavelmente, não será a “I am the Dog”, que apesar de sustentar um lindo trabalho de guitarras, da dupla Loomis e Calvert (ex – Forbidden), é o som mais “sem sal” do disco. Contendo 13 faixas (por acaso?), Dreaming Neon Black fez a banda experimentar caminhos diferenciados e únicos em sua carreira. Então, não é de estranhar que, mesmo os fãs mais fiéis da banda, em algum momento, despertem opiniões contrárias à obra. E o disco vem com esse estigma em sua concepção: ele não vem para resolver, vem para questionar. Arrisco que nem mesmo Mario Quintana o desvendaria! O disco encerra com “Forever”, com 9m20s. Porém, mais de 7min em silêncio. Carga extra de drama e um testamento sonoro e mudo, em que tudo pode ser dito e nada é ouvido.
This Godless Endeavor - 2005
“Coração quebrado tem cura: A paz de não precisar mais aguardar a perfeição que não existe.”
Fernanda Young
Se durante essa revisão havia afirmado que, nos primeiros discos, Dane estava longe de atingir seu ápice, agora o cenário mudou drasticamente. No This Godless Endeavour o vocal está voando num rasante de ave de rapina. O tempo decorrido e a intensidade emocional presentes no vocal, transformam o disco em uma obra que merece muito destaque na discografia. A volta do peso e velocidade, associados à originalidade, que só Nevermore conseguiu sustentar, são muito sensíveis na audição. Quer uma prova? Nem precisa, pois, a primeira música do disco já vai entregar de bandeja. Além do peso e da velocidade, quem está dando as caras novamente como protagonista, é a progressividade. Vocês perceberão músicas mais longas, com cargas emotivas e intros lúdicas. A exemplo de “Sentient 6”, que começa com um dramático piano e ao longo dos seus quase 7 minutos transforma-se drasticamente. Neste disco, quem faz parceria para Loomis é o ex-Testament Steve Smyth, o qual inclusive ajudou na composição de “Bittersweet Feast”. Na instrumental, “The Holocaust of Thought”, quem balança as cordas é o guita James Murphy (ex-Cancer, ex-Death entre outros). Destaque especial para a faixa que batiza e encerra o disco. Uma verdadeira odisseia encantadora, um singelo passeio pelo olho do furacão, um breve e eterno relacionamento com a insanidade. O terceiro lugar do pódio, pertence a uma obra que o Nevermore, nunca conseguiu superar. E sim, perfeição existe e o Warrel Dane continua fazendo falta!
The Obsidian Conspiracy – 2010
“Nem tudo que se enfrenta pode ser modificado, mas nada pode ser modificado até que seja enfrentado.”
James Baldwin
Mudanças nunca foram problemas para Nevermore. Depois de cinco longos anos sem lançar nada, a banda revela The Obsidian Conspiracy, agora de volta ao quarteto original: Sheppard, Dane, Williams e Loomis. Prezando pelo peso, músicas relativamente menores dos que as presentes no trabalho anterior. Como esperado, mais uma vez o vocalista supera expectativas em relação a sua performance, com letras cada vez mais contundentes. “Moonrise” é sensacional, vai te fazer bater o pé com a groovada das guitas. Aqui, quem sabe, o melhor trabalho de mixagem da bateria de Williams, que está marcante demais.
“And I will say once more, The world is still a spinning ball of confusion That no one understands...”
(E vou dizer mais uma vez, O mundo continua a sendo uma bola giratória de confusão, Que ninguém entende...)
- Emptiness Unobstructed
Nas palavras do rei louco, toda verdade que nos conduz ao caos diário. Sonoridade diversificada, melodias rápidas contrapondo com músicas mais baladas e um grande compendio de composições magistrais, sob a produção de Peter Wichers (ex-Soilwork). Sabe o que é mais estranho? Dificilmente esse álbum vai superar o This Godless Endevour, algum dia. Mas a audição é mais digerível, então na somatória, ouvi mais o Odsidian do que o Godless. Em um perfeito equilíbrio, praticamente todas as músicas deste disco destacam-se, com algum elemento. Enfrentar o retorno ao quarteto, uma só guitarra, trouxe esse excelente resultado. O último trabalho da banda, chega nessa construção, no segundo degrau do pódio.
Dead Heart in a Dead World – 2000
“Uma obra de arte deve levar um homem a reagir, sentir sua força, começar a criar também, mesmo que só na imaginação.”
Pablo Picasso
Na virada do século, no dia 13 de setembro de 2000, - para ser exato, 23 anos separam o lançamento desse disco e da escrita dessa análise, - o Nevermore, cronologicamente, revela sua segunda maior obra, que neste texto será a suprema. Loomis então assume o carvalho com 7 cordas e a sonoridade da banda ganha peso inédito na carreira. Se até Dead Heart in a Dead World, a tentativa de colocar o Nevermore “em uma caixinha” já era complicado, a partir deste play, as coisas só ficariam mais difíceis. Dead Heart é um disco que traz elementos de Thrash, Power, groove, pitadas de Death e progressivo. Nevermore, talvez não seja uma banda que agrada a todos, mas certamente tem algo para te dizer. Com esse disco, a banda oficializa o flerte aberto com o progressivo, composições encorpadas e com muita informação. Além de ser o álbum no topo da discografia do Nevermore, é o álbum que está entre os 10 melhores, na minha escolha geral. O disco que abre com “Narcosynthesis”, com Dane vociferando críticas sobre penas por posse de drogas e rejeição religiosa, entrega uma energia imbatível. Eis o lançamento mais sólido, da formação mais sólida da banda. Não existe a possibilidade de nomear um único destaque, porém, alguns sons são passíveis de causar sensações. A exemplo de “The River Dragon Has Come”, quando Loomis, simplesmente debocha do tempo, com sete cordas. Essa música tem um único defeito: ela acaba! Aliás, o disco todo é acometido desse “defeito”.
“Today the warning came in the flood, Architects and fools never cared for poor men's blood...”
“The River Dragon Has Come” é o carvalho sentimental, que há de salvar os aflitos das inundações da alma. E se a banda não conseguiu superar o This Godless Endeavour, com toda certeza, jamais conseguiu recriar nada parecido com o Dead Heart. E, surpreendemente, temos “Hello darkness, my old friend...” Sim! Há uma versão de Sound Of Silence (Simon and Garfunkell) aguardando para te surpreender, no frio da noite escura.
Se você não conhece Nevermore, eu diria que esse é o disco especial para conhecê-la. E afirmo, se não gostares desse disco, pode abandonar. Nem perca tempo ouvindo qualquer composição de outros trabalhos do grupo. E sim, temos um vencedor. Dead Heart in a Dead World é o trabalho maior, que merece o topo do pódio. Ao escutar o disco, dá pra entender a essência do que Pablo Picasso quis ilustrar em sua frase memorável.
Este texto não traz verdades absolutas e nem tem a intenção de esgotar o assunto, pois é impossível. São palavras de um fã, que espero que encontrem abrigo no pensamento de outros. Esperamos que tenham se divertido com a leitura, tanto quanto me diverti escrevendo. Nos acompanhe para ficar por dentro de outras resenhas e entrevistas. E claro, nunca esqueça: Warrel Dane, faz muita falta!
(Foto tirada 32 dias antes do falecimento de Warrel Dane)
Excelente texto!
ResponderExcluirMuito obrigado!
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