Por Gregory Weiss Costa
Quando eu falo do Angra, já não mais menciono o nome de uma banda: elevo um símbolo que se enleva em uma instituição, em um designativo que se enlaça – com justiça! – à história do próprio heavy metal brasileiro, seja você, leitor, fã ou não. Começo por aí mesmo: Angra é mais que uma das maiores bandas da história brasileira, é um ícone representativo de como o Brasil sabe criar música pesada com singularidade e criatividade únicas. Sim, o Angra é um orgulho – distinto! – de nossas plagas tupiniquins!
Passado os merecidos brados, eis o momento em que chego ao complexo objetivo do texto em questão: analisar e ranquear a discografia do grupo; um parecer ousado mediante ao percurso da banda brasileira, mas que possa servir - por que não? - como um convite para melhor se refletir a história e a produção da lendária trupe brazuca. Sendo assim, pelo entremeio de inúmeras formações, identificações estéticas e transformações que o Angra passou pelo tempo, hoje, resumido em sua distinta discografia e, certamente, em ouvidos mais atentos, podemos viajar melhor na dimensão de sua obra. Então, sem mais delongas, vamos lá! A ideia aqui é colocar em posições de preferências – do pior ao melhor – as obras do Angra, com adendos, comentários e julgamentos deste que vos escreve.
AQUA (2010)
O trabalho marca o retorno do “já da casa” Ricardo Confessori na bateria e apresenta um evidente Angra em transição. Em termos gerais, Aqua descreve uma excelente banda de metal melódico em desencontro. No ideário do que se espera, tudo está lá: solos aguçados, riffs ferozes, melodias épicas e vocais odisseicos – os últimos de Edu Falaschi na banda. Ainda assim, o trabalho é o verdadeiro mais do mesmo – cíclico e jogando apenas para cumprir tabela. Falta a inspiração, a originalidade e a identidade a qual colocou o grupo como um dos maiores nomes da cena mundial. Ressoa-se aqui um overplay típico de banda do estilo que quer mostrar serviço - nem de perto o que deveria se esperar de um gigante como o Angra. Ainda que o fundo temático seja inspirado na clássica obra de Shakespeare, A Tempestade, o álbum pode-se rotular como pouco memorável ante a antologia do grupo. Músicas como "Arising Thunder", "The Rage of The Waters" e "Weakness of a Man" fazem valer o play, mas estão ainda muito longe do que a instituição Angra já fez ou faz.
AURORA CONSURGENS (2006)
Após a saída de membros basilares como Luis Mariutti, Ricardo Confessori e o maestro Andre Matos, o Angra reformulou-se em uma agrupação considerada por muitos como a melhor de sua história. Ao lado de Kiko Loureiro e Rafael Bittencourt, o vocalista Edu Falaschi, o baixista Felipe Andreoli e baterista Aquiles Priester vieram de uma sequência visceral de dois trabalhos extraordinários – Rebirth e Temple of Shadows – os quais colocaram a banda em um patamar de excelência e atenção do mundo ante sua imponência renovada. No entanto, Aurora Consurgeons não teve o mesmo gás e potência para segurar uma esperada trinca na discografia. Não, o álbum está longe de ser ruim, mas busca uma linha mais progressiva que talvez não tenha se condensado no passo e ritmo que o grupo vinha imprimindo. Segue sendo um trabalho impressionante o qual conjurou músicos cujos nomes estão entre os maiores do do estilo – porém, a técnica exacerbada já não emocionava ou cativava quanto antes. Esse registro também é um adeus ao baterista Aquiles Priester, que apesar de ser um fenômeno com as baquetas em mãos, parecia já não estar mais contrastando com o grupo como outrora. Um bom disco, mesmo que siga parecendo a pedrinha sorrateira no sapato biográfico da banda.
SECRET GARDEN (2014)
Em mãos, mais um disco que imprime na carne as transições de mudanças identitárias e formativas que a banda vinha sofrendo. Secret Garden anuncia e surpreende os fãs com o majestoso Fabio Lione (Rhapsody on Fire, Vision Divine) nas vozes do grupo, mas ainda assim não é tão nítido o destaque desse reforço na escalação. Conta também com a estreia do virtuoso baterista Bruno Valverde e ainda com participações especiais e estrelares como Simone Simons do Epica em "Secret Garden" e Doro Pesh em "Crushing Room". Mesmo com o conjunto disposto, Secret Garden é um álbum estranho, sem um norte preciso. Contudo, deve-se ressaltar: em termos técnicos e melódicos, considero-o mais coeso que os citados anteriormente: metal melódico e progressivo de excelentíssima qualidade com Kiko Loureiro brilhando nas guitarras – parecendo que seria sua despedida, a qual definitivamente ocorreu de fato com a entrada do virtuose brasileiro no Megadeth. Como conjunto da obra, resulta em um bom álbum de um Angra remodelado e reconstruindo sua nova identidade.
OMNI (2018)
Se antes a banda soava em busca de uma nova identidade, definitivamente isso foi superado em Omni. O guitarrista Marcelo Barbosa segura a bronca de ocupar o espaço de Kiko Loureiro com confiança e excelência e é nítido o crescimento do baixista Felipe Andreoli como um parceiro de composição do último remanescente original do grupo, Rafael Bittencourt. Fabio Lione também se protagoniza mais que no álbum anterior. As faixas em Omni soam mais coesas e íntegras, como já podem ser ouvidas nas primeiras "Light of Transcendence" e "Travelers of Time". Na época, porém, o destaque do álbum recaiu para "Black Widow’s Web", terceira faixa, provocando burburinho nas redes e entre fãs pela a participação da cantora Sandy. Ainda que a vocalista do Arch Enemy, Alissa White-Gluz também estivesse presente na canção, ninguém mais falava nada além da participação da filha do Xororó cantando ao lado de um dos maiores nomes do metal mundial. E querem saber? A faixa trouxe a luminosidade necessária que o grupo precisava para essa etapa de reconstrução e reafirmação. Além disso tudo, Omni é um álbum que apesar da dose progressiva mais alta que o normal no receituário biográfico do grupo, constitui-se como uma excelente obra de heavy metal impressa por um Angra em nova fase.
FIREWORKS (1998)
Último registro com a formação clássica, Fireworks apresenta um Angra mais solto e liberto que os registros anteriores – Angels Cry e Holy Land. Em linhas gerais, o álbum abusa de experimentações sonoras e rítmicas, evidenciando especialmente o potencial do incomparável Andre Matos nos vocais e da já reconhecida e celebrada dupla de guitarras, Kiko Loureiro e Rafael Bittencourt. O disco é uma viagem por músicas que não parecem – a princípio – conexas uma com as outras. Você viaja pelo power metal de "Wings of Reality", pelo speed de "Speed" e "Metal Icarus", pelo prog de "Lisbon" e "Paradise" e pela fantasia regional – impressão digital do Angra dessa era – em "Fireworks" e "Gentle Change". Se parássemos para pensar que após esse álbum nada mais seria como antes, talvez tivéssemos relegado a Fireworks um destaque mais merecido na história da banda e do metal. Um trabalho que envelheceu bem, mas que carecia na época de mais reconhecimento.
REBIRTH (2001)
Rebirth é na minha opinião uma das mais bem-sucedidas reestruturações de bandas da história do metal. Com a troca de formações – mencionadas anteriormente neste texto - o Angra recicla seu espírito e energia na composição de um dos álbuns mais importantes da nova leva do power metal dos anos 2000. É perceptível o frescor dos novos integrantes na entrega do trabalho, especialmente de Edu Falaschi, que ao substituir o icônico Andre Matos, imprimiu seu estilo e relevância no renascimento que estava acontecendo. Músicas como "Nova Era", "Milennium Sun", "Acid Rain", "Heroes of Sand" e a faixa título, Rebirth são trilhas extraordinárias para ressignificar com grandeza esse novo Angra que arrebatou multidões mundo a fora, colocando o grupo em um epítome majestoso poucas vezes visto na história do metal nacional. Um disco que remarca mais que um magistral trabalho sonoro: é um documento vivo da grandeza do Angra na história.
ANGELS CRY (1993)
Um despertar glorioso de uma promissora banda de power metal. A bússola que colocou o Angra na rota dos gigantes. O contexto sonoro ressoava o que o estilo imprimia entre os maiores nomes do gênero na Europa, mas por trás daquelas guitarras aceleradas, bateria veloz, sinfonias orquestradas e vocais agudos, batia um coração brasileiro. O Angra lançava para o mundo uma obra intocável de metal melódico, um registro fenomenal em termos de composição, energia e identidade. Sim, pois se "Carry On" pudesse, a despeito da excelência, soar mais do mesmo – o que nunca foi o caso! – "Never Understand" com sua intro de viola de baião já fincava o pé ao dizer o porquê que o Angra estava pisando naquele terreno. Confesso a vocês, leitores, que esse é o álbum que mais toca meu coração pela minha vivência com ele – de fato, é meu favorito -, mas sabemos que aqui a história estava apenas começando e eles ainda iriam mostrar muito mais do que apenas Angels Cry poderia reservar.
TEMPLE OF SHADOWS (2004)
Aqui temos o auge instrumental, lírico e performático da segunda formação da banda. Se em Rebirth a nova formação já havia mostrado para o que veio, em Temple of Shadows, o grupo necessariamente consagrou-se. Os guitarristas Kiko Loureiro e Rafael Bittencourt apresentaram seus talentos em exímia máxima e, certamente, foram acompanhados com as precisões possivelmente mais técnicas e virtuosas das carreiras do baterista Aquiles Priester e do vocalista Edu Falaschi. Em uma narrativa conceitual, encenando a história de um cavaleiro durante as cruzadas, o álbum transporta o ouvinte à Terra Santa em uma guerra de conflitos, demônios e sombras. Nomes como "Spread Your Fire", "Angels and Demons", "Waiting Silence" e "Winds of Destination" são apenas algumas amostras do potencial de petardos que esse disco reserva ao ouvinte. Destaque também para "Late Redemption", uma das trilhas mais emotivas e emblemáticas do álbum que conta com a presença do grande cantor brasileiro Milton Nascimento. Em resumo: escutar Temple of Shadows é a certeza perpétua de estar diante de um raro trabalho que apenas os grandes são capazes de conceber. Excelência no teor mais profundo da palavra.
HOLY LAND (1996)
A nota de singularidade no universo do heavy metal foi aqui composta pelo Angra como jamais nenhuma outra banda um dia conseguirá fazer. A resposta para tal feito? Brasilidade! Se o Sepultura atingiu esse feito no thrash metal em Roots, o Angra certamente encontrou, brilhantemente, seu caminho em Holy Land. Ritmos como samba, maracatu, baião e outros entendidos como regionais foram extraordinariamente bem explorados ao lado do heavy metal em uma dialogia poucas vezes vistas na história da música pesada. Destaque merecido ao baterista Ricardo Confessori, apresentando um dos maiores registros de sua carreira. Além disso, Andre Matos brilha em suas interpretações conceituais do relevo do disco, ora como povo colonizador, ora como povo colonizado. Uma aula de intepretação jamais vista na história da música pesada. Em essência, temos aqui o Angra entregando ao mundo uma forma unívoca e singular de se fazer heavy metal. Sem dúvidas, Holy Land apresenta uma banda de metal em uma performance identitária que nenhuma outra antes fez. Em termos técnicos, sonoros ou conceituais, o disco é uma obra-prima, uma referência legada desses brasileiros para a eternidade da música.
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