ANGRA
CYCLES OF PAIN (2023)
Atomic Fire/Voice Music - Nacional
CYCLES OF PAIN (2023)
Atomic Fire/Voice Music - Nacional
Um dos nomes mais esperados do ano para a cena já tinha nome. Desde quando foi anunciado em julho pelo Angra – uma banda que já alçou o status de instituição no metal brasileiro – “Cycles of Pain” consagrou-se como uma grande promessa. Inicialmente, por ser o mais novo trabalho do grupo desde Omni (2018) com a mesma formação, agora, mais estabilizada desde então. Em segundo ponto, o primeiro single relativo ao álbum em questão, “Ride Into de Storm”, colocou as expectativas em alta, pois a música, além de apresentar uma música de altíssimo nível e sonoridade impecável, jogou para os fãs várias referências históricas da banda no clipe, entre elas, o emocional momento de homenagem ao maestro André Matos, vocalista fundador do grupo, e, lamentavelmente, falecido em 2019.
Independente dos singles posteriores e de tudo que se cogitou (até mesmo tendenciosamente!) pelas redes sociais, finalmente chegou o momento em que a nova obra do Angra – formado por Fabio Lione (voz), Rafael Bittencourt (guitarra), Marcelo Barbosa (guitarra), Felipe Andreoli (baixo) e Bruno Valverde (bateria) – chegou aos nossos ouvidos.
Neste momento, agradeço por uma determinada serenidade e resiliência musical a qual desenvolvi nos últimos anos. Não li ou assisti a nenhuma resenha do álbum antes de eu mesmo ter o meu momento com a obra, para poder analisar e resenhar, destituído de opiniões externas - algumas até bem acaloradas e polemicamente intituladas as quais passaram em constância pelo meu feed nos últimos dias. Assim, posso enunciar com extremo bom grado: “Cycles of Pain” é um dos melhores trabalhos do Angra, especialmente quando pensado sobre todas transformações pelo qual passou. Se o grupo ainda precisava alinhar-se em termos vocais, pois Fabio Lione constantemente foi julgado por não ter seu potencial vocal bem aproveitado, ou pelo fato de Marcelo Barbosa ainda precisar de identidade mediante o difícil encargo de ser substituto de Kiko Loureiro na guitarra – fiquem tranquilos. Este é um trabalho em que você escuta o Angra atual pelo o que o Angra atual quer mostrar, inclusive com destaque a esses dois músicos que justamente citei.
Se você espera escutar o Angra soando como “Angels Cry” (1993), “Holy Land” (1996), “Temple of Shadows” (2004) ou até mesmo similar ao último lançamento “Omni” (2018), sinto desapontar você. Ainda que possamos encontrar ressoares dessas épocas, “Cycles of Pain” é um álbum de ressignificação, de ressurgimento, de fim de um ciclo – doloroso, como o próprio título metaforicamente sugere – e marca um novo encaminhamento sonoro do grupo, bem mais progressivo do que power. Obviamente, a velocidade ainda está lá, assim com a brasilidade típica e a agressividade que colocou o grupo como um dos maiores expoentes do metal mundial, todavia, é visível que a essência do Angra neste álbum amadureceu para um contexto mais progressivo – talvez até pelo protagonismo de Felipe Andreoli na composição do disco ao lado do líder Rafael Bittencourt; afinal, não é segredo para ninguém a admiração e influência que o baixista tem pelo o estilo.
Produzido pelo americano Dennis Ward, o disco abre ao som de sinos e chuva, alegorias clássicas de um funeral. Coros em latim, órgãos de catedrais, a cerimônia começa com o introito chamado “Cyclus Doloris”, até conduzir o ouvinte à já conhecida “Ride Into The Storm”. A música que te induz em termos de letra e música a um atravessamento emocional e que fala de mudança e crescimento ("There is a way, I know. We change our forms and grow”) é, para este que vos escreve, uma das melhores músicas compostas pelo grupo. Com passagens agressivas, melódicas e sentimentais, o grupo entrega nessa progressão uma música forte em que o baixo de Andreoli e a guitarra de Barbosa brilham. Instrumentalmente, intocável.
Aos fãs do heavy Angra, “Dead Man on Display” rememora esse semblante clássico do grupo. Após a crescente intro, as guitarras em duelo de Bittencout e Barbosa mostram ao mundo uma das marcas mais típicas dos brasileiros. Lione também solta sua voz entre a velocidade e a ferocidade da faixa. Uma música em que tudo está ali: peso, melodia e virtuose. Uma faixa perfeita para seguir a audição após a pérola anterior.
O play segue em uma música dividida em duas partes (viés clássico de músicas progressivas): chamada de “Tides of Chances”. A primeira parte, acústica e mais curta, traz uma interpretação bem emotiva de Fabio Lione. Justamente sua voz é um dos destaques da segunda parte da música (a qual já havia sido apresentada em single), especialmente no refrão pegajoso e emotivo. Além disso, o trabalho de Felipe Andreoli no contrabaixo ganha novamente destaque e evidência. Certamente, uma das músicas mais memoráveis de “Cycle of Pain”. Um pormenor, no entanto, surge ao perceber que a voz da cantora Vanessa Moreno, chamada como participação especial, foi mal aproveitada na música. Ainda assim, ela participa de outra faixa a seguir no disco.
Falando em participações especiais, a próxima música intitulada de “Vida Seca”, traz o cantor pernambucano Lenine, uma referência do MPB e música regionalista. Como o nome da faixa sugere – até pela referência à icônica obra de Graciliano Ramos – trata-se do perpétuo sofrimento vivido pelo Nordeste brasileiro, e inicia com instrumentação típica do regionalismo nacional com a voz do cantor convidado narrando, em português, da dor e da agonia dessa população. Impossível neste ponto do álbum, não viajarmos para uma nostalgia sonora que havíamos aprendido a apreciar no “Holy Land”, pois a brasilidade e orquestração desse som, ainda que derive mais ao final a um prog estilo Dream Theater, é um dos pontos mais fortes do álbum.
E como o álbum está assumidamente calcado no solo do prog metal e, na frase acima eu falei de Dream Theater, “Gods of The World” tem um começo que remeteu ao grupo americano lá pelos anos 90, especialmente pelo teclado que poderia, com certeza, ter sido tocado pelo Kevin Moore. Contudo, a música envereda para um power metal tradicional que, apesar de bom, não traz nada de extraordinário. Uma faixa de menor destaque na minha opinião. Em seguida, temos a faixa título, “Cycles of Pain” uma balada emocional e que a banda destila sua potencialidade instrumental, trazendo novamente um refrão pegajoso e dramático, além da pegada progressiva. Destaque ao belíssimo solo de Marcelo Barbosa, um dos melhores guitarristas brasileiros em atividade como toda certeza.
“Faithless Sanctuary” também traz uma intro com ritmos brasileiros, mais referentes à cultura indígena em questão, e embarca em um trabalho de cadência instrumental em que o brilhantismo rítmico do baterista Bruno Valverde vem à tona. Trata-se de mais uma faixa progressiva em que o ouvinte viaja por vários estilos, uma possível nova assinatura da banda. A próxima faixa, “Here In The Now”, traz um lindíssimo trabalho de cordas em sua abertura. A voz da cantora Vanessa Moreno dá a tônica à música, uma faixa de bela melodia e de refrão, mais uma vez, emocionante. Uma das melhores músicas do álbum, embora mais discreta e menos ousada.
Porém, a ousadia volta no vibrante power metal de “Generations War”, uma música veloz que lembra o Angra da fase “Rebirth”. Talvez o momento que mais alude ao espírito clássico e de metal melódico do grupo. Bateria veloz, guitarras dobradas, vocais em avante, solos épicos – tudo está lá. Se havia algum ouvinte desconcertado com a mudança de estilo do grupo, ele pode sossegar e ouvir esse som até cansar e entender que uma parte do velho Angra ainda existe – e com muita força!
O álbum encerra com a belíssima “Tears of Blood”, faixa que conta com participação da excepcional cantora Amanda Somerville - um nome bem conhecido na cena de heavy metal melódico. Ela e Fabio Lione promovem as linhas vocais mais belas da obra, abusando do lado soprano da americana e do barítono do italiano. Um fino presente entregue aos fãs da banda e do estilo, encerrando a obra do Angra com a devida excelência apresentada em todo percurso do disco.
“Cycles of Pain” é de fato uma obra de ressignificação, de ressurgimentos – e por que não? – reafirmação. O Angra é um dos nomes mais importantes do metal brasileiro e mundial, uma instituição, conforme disse ao começo dessa resenha, o que, fatalmente, vira uma vidraça para ser apedrejado por muitos. O grupo que enfrentou tantas transformações e mudanças em seu caminho em mais de 30 anos de estrada viveu muitas dores, e elas precisavam ser artisticamente elaboradas. O resultado dessa catarse está neste trabalho, um dos melhores da carreira do grupo e um dos melhores lançamentos do ano. Bravo e majestoso, um verdadeiro orgulho do metal nacional. Aos contrários, minha vez de polemizar: você precisa não entender nada de música ou ser muito teimoso para não perceber a extrema qualidade técnica que o Angra imprimiu aqui. A vida segue em frente, e após passar por ciclos, é exatamente o que a banda brasileira faz. Sugiro que muita gente devesse fazer o mesmo.
Gregory Weiss Costa
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