quarta-feira, 22 de outubro de 2025

1914 - VIRIBUS UNITIS (2025)


 

1914
VIRIBUS UNITIS
Napalm Records - Importado

O 1914 sempre foi mais do que uma banda: é uma cápsula de dor e história. Desde sua estreia, o grupo ucraniano transformou o horror da Primeira Guerra Mundial em arte extrema — não como espetáculo, mas como testemunho e lembrete. Em tempos em que a própria Ucrânia vive novamente sob o espectro da guerra, o 1914 entrega uma obra que é, simultaneamente, memória e advertência — um lembrete de que a história nunca morre, apenas sangra em novos campos.

Com Viribus Unitis, seu quarto álbum de estúdio, o grupo retorna com uma força ainda mais implacável, erguendo um monumento sonoro ao sofrimento, à resistência e à esperança. O título, em latim, significa “Com Forças Unidas” — e traduz com perfeição o espírito do novo trabalho: união diante da ruína, fraternidade diante do caos.

Enquanto os três primeiros álbuns concentravam-se na futilidade da guerra e na brutalidade das trincheiras, aqui a banda desloca o olhar para o que vem depois: a persistência humana, os laços forjados sob o fogo, o retorno quase impossível ao lar. Musicalmente, a banda preserva sua identidade: uma fusão destruidora de death metal, doom cheio de densidade e paisagens sonoras bélicas, onde cada explosão e cada ruído parecem ecoar de um campo de batalha esquecido.

Logo na abertura, “War In (The Beginning of the Fall)” lança o ouvinte em uma atmosfera de tensão crescente — o rádio antigo e o canto histórico funcionam como prelúdio, anunciando o colapso iminente. Em seguida, “1914 (The Siege of Przemyśl)” transforma um dos cercos mais sangrentos do início da guerra em puro death metal de trincheira: riffs massivos, vocais urrados como ordens de comando e versos que mesclam fervor religioso e desespero. A brutalidade segue em “1915 (Easter Battle for the Zwinin Ridge)”, onde a mistura de inglês e ucraniano reforça o contraste entre o horror universal e a identidade nacional — um verdadeiro hino à resistência.

“1916 (The Südtirol Offensive)” e “1917 (The Isonzo Front)” são panoramas épicos da destruição. A primeira retrata o avanço austro-húngaro sobre a Itália com cadência marcial, enquanto a segunda mergulha na carnificina, com um dos refrões mais sufocantes do disco: “Here only death is real.” É a filosofia da banda — a guerra como força inevitável, onde o heroísmo se dissolve em lama, bombas, riffs e sangue.

Para aumentar o impacto, a banda utiliza pequenos trechos de músicas e discursos da época, criando uma sensação de desorientação e tensão constante. A tríade de 1918 é o coração do álbum. “Pt. 1: WIA (Wounded in Action)” transmite o colapso físico e mental; “Pt. 2: POW (Prisoner of War)”, com Christopher Scott (Precious Death), expõe o inferno dos campos de prisioneiros com honestidade dolorosa; e “Pt. 3: ADE (A Duty to Escape)”, com Aaron Stainthorpe (ex-My Dying Bride), se destaca como uma das faixas mais emocionais da discografia do 1914 — uma fuga narrada entre delírio e fé, com o doom melancólico como pano de fundo.

O ápice humano do álbum surge em “1919 (The Home Where I Died)”, linhas calmas e cheias de emoção, com a participação de Jérôme Reuter (Rome). A música narra a história de um soldado que sobreviveu à guerra apenas para descobrir que ela ainda habita sua vida. O reencontro com esposa e filha é descrito com ternura e desespero — um instante de paz: “Com o amor como minha armadura, o Senhor será meu guia / Estou voltando para a Ucrânia.” São pouco mais de sete minutos — o fechamento perfeito para um álbum que fala tanto sobre o passado quanto sobre o presente, sobre uma nação que, mais de um século depois, ainda luta por sua sobrevivência.

“War Out (The End?)” traz novamente um trecho de música de época, que me fez lembrar do meu avô com seu radinho. Minha bisavó ucraniana saiu de sua terra para a Iugoslávia após a Primeira Guerra. Alguns anos depois, já com meu avô nascido, eles vieram para o Brasil. Após o último suspiro da faixa, confirma-se a inevitabilidade da guerra: o ponto de interrogação do título diz tudo!

Com Viribus Unitis, o 1914 atinge um novo patamar de maturidade e intensidade. As composições são mais dinâmicas, as texturas orquestrais adicionam peso emocional. Os contrastes dos vocais (limpos e errados) e as participações elevam o conceito a um nível épico. Mais do que uma sequência lógica em sua discografia, este é o álbum definitivo sobre trauma e fé na humanidade em meio à destruição.

William Ribas






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