segunda-feira, 15 de janeiro de 2024

MISTREATED - THE OUTSIDER (2023)

 


MISTREATED
THE OUTSIDER
Independente - Nacional

Espirituosamente fervilhando a quintessencial energia que apenas a combinação mágica do heavy metal com a juventude pode dispor, a banda pelotense Mistreated lança ao mundo sua segunda obra: "The Outsider", quase aos últimos dias de 2023. Após o expressivo debut em "Brand New Rust", álbum de 2021, disco em que a trupe formada por Henrique Radünz (vocais), Emanuel Murialdo e Diego Corral (guitarras), Davi Isac (baixo) e Rodrigo Reinhardt (bateria) mostrou ao que veio, recebendo, merecidamente, a devida atenção ao dizer ao mundo "que no interior do Rio Grande do Sul - celeiro de nomes icônicos da cena - é possível se fazer heavy metal", a banda alça seu novo passo.

Justamente, é essa a sensação que "The Outsider" provoca de imediato ao ouvinte: percebe-se que o grupo calca conscientemente um novo momento evolutivo em sua recente história. Se for necessária a comparação da nova obra com a anterior, nota-se abertamente o progresso traçado pela banda de um registro para o outro. "The Outsider" claramente revela uma Mistreated mais madura, coesa e convicta ao som a qual se propõe fazer. Se em "Brand New Rust" havia a miscelânea estilística típica de um grupo em plena gênese, o trabalho recente aponta que o quinteto amadureceu a ponto de encontrarem mais assertivamente o seu norte. Estamos diante de uma obra visivelmente bem pensada e bem construída. Sem dúvidas, há um considerável crescimento sonoro e estético da Mistreated enfim delineados em "The Outsider".

A primeira faixa, "Not Ready To Die", ambienta incidentalmente o ouvinte em um clima de dedilhados de guitarras mesclado a sons oriundos de guerras - ok, talvez seja um clichê relativo na história do heavy metal, mas, ainda assim, é produzido com elegância e sobriedade. Após a parte inicial, a música desponta a sua estrutura definitiva: um heavy metal extremamente bem arranjado e resoluto. Perceptível, desde o início da audição, aos que conheceram a banda no passado, a evolução vocal de Henrique Radünz, notavelmente mais harmônico e firme com a proposta da trilha. Apesar da música ousar momentos mais arremedados ao speed - os belos solos podem confirmar isso - a composição fecha exatamente ao que se imaginou quando se iniciou o processo: cíclica conforme montou-se, especialmente ao se tomar de base os apelativos refrões - que tiveram reforço do encore "not ready"!

"Before My Eyes"abre com um precioso trabalho de bateria talhado em rudimentos de caixa de Rodrigo Reinhardt até ser entregue em uma trilha firme e empolgante. Os vocais entregam uma cadência de ritmo a menos, mas enfim explodem no refrão. Fãs de Saxon em "Crusader" ou dos primórdios do Queensrÿche em sua estreia homônima, especialmente em "Nightrider"ou "Blinded", encontrarão uma afinidade - mesmo que a banda, sequer, talvez, tenha pensado nisso! Para este que vos escreve, fez algum sentido a comparação. Trilha mais soturna em relação à anterior, detecta-se um arroubo de identidade mais progressiva da Mistreated neste som, especialmente na antecedência dos solos. Certamente, uma das faixa mais destacáveis de "The Outsider".

A terceira faixa começa em uma levada clássica típica do estilo. "Bullets for My Heart" concentra um dos pre-chorus e refrões mais emocionantes do álbum, com o duo de guitarras de Emanuel e Diego incinerando a faixa. A voz de Henrique encontra o equilíbrio alquímico perfeito com o instrumental da banda. Sem maiores predicativos, uma ode distinta ao que se espera em um bom heavy metal. O solo excepcional destrói tudo, especialmente se você tiver nomes como Iron Maiden ou Judas Priest no coração.

Após esse momento, a quarta faixa, "Edge of Decaying Road" já conduz o trabalho a um viés mais "moderno", por assim dizer. As guitarras dedilhadas e o vocal inspirado em nomes grunges como Stone Temple Pilots ou Alice In Chains - nomes os quais o vocalista Henrique derradeiramente inspira-se - criam um novo relevo a "The Outsider". Uma música mais introspectiva com belos arranjos de violino ao centro que, mais uma vez, apresentam uma faceta prog do grupo. Talvez, diante do contexto do álbum, desponta-se aqui uma das trilhas mais originais e audaciosas da obra.

Em contrapartida, "Sighs of War" segue a audição em uma cadência mais segura ao apreciador. Essa faixa, indiscutivelmente, do vocal ao riffs de guitarra, das levadas de baixo e de bateria, soa como Metallica entre o Black Album e o Reload. Eu sei que se deve evitar analogias constantes quando se arrisca a resenhar um novo som, porém, aqui não há muito o que se fazer. Permita seu amor a Hetfield, Ulrich e cia serem tributados por essa composição robusta da Mistreated. Positivamente, é uma boa música, contudo, não senti como uma das mais inspiradas dos álbum.

"The Executors" retoma a velocidade do percurso auditivo. Temos de novo em cena aquele bom e velho speed empolgante que tanto demarcou a banda no trabalho anterior. Guitarras e vocais conflitando em uníssono até chegar ao refrão, momento que se amplia na didática emocionante e cativante da cartilha do melhor que se aprende e se ensina na matéria heavy metal. Uma faixa que agradaria fãs de hard, hair metal ou power - com direito a um piano de climática -, encontramos uma síntese do poder de fogo da banda nesta música arrebatadora. Devo mencionar que durante a audição foi a trilha a qual o botão "repeat" mais foi clicado por este que vos escreve!

Na sequência, "The Void" abarca nas cordas de início o clima grunge outrora já percebido. Sim, você será levado mentalmente - novamente - a um momento que rememora o Alice In Chains, justamente pela guitarra e bateria da forma como se apresentam. A faixa, instrumental, ponteia a próxima trilha, a final, "Our Free Bird", que, coerentemente, segue a ambientação criada pelas clássicas bandas de rock de Seattle noventistas, já evocadas pelo grupo anteriormente. Neste desfecho de "The Outsider" há, talvez, uma quebra do estilo projetado pela banda ao conceber o álbum, no entanto, pensada apenas como um som isolado, encontra-se um dos momentos mais belos e inspirados da Mistreated. Não, permita-me retificar: o momento MAIS BELO E INSPIRADO pela Mistreated. Estamos diante de uma obra-prima, uma revelação artística fenomenal. O vocal de Henrique voa como o "pássaro livre" a qual letra faz alusão, as guitarras choram nessa balada que rompe tantos sentimentos dignos de um blues a la Lynyrd Skyrnyd ou até mesmo um arroubo pop a la Creed que fazem as lágrimas do ouvinte relutar a não cairem, especialmente quando o solo encontra o refrão excepcional e emocional de Henrique Radünz. Na verdade, essa música é uma elegia à partida trágica e precoce de um grande amigo da banda, o jovem Otávio Moresco - o qual foi aluno e amigo deste redator aqui também - e ao se saber da profundidade dessa homenagem, a faixa torna-se ainda mais sensível e poderosa. Indubitavelmente, o álbum encerra em grande momento, expondo a galeria de possibilidades criativas que o quinteto pelotense pode e sabe produzir.

"The Outsider" é, conforme mencionei ao início, um álbum que marca o novo e firme passo dessa promissora banda. Nitidamente, a evolução do conjunto em todos sentidos - instrumentais, líricos e composicionais - foi entregue ao ouvinte. Ainda que haja momentos em que sua sonoridade remeta a outras fontes ou inspirações - o que não é nenhum crime, sejamos francos! - a Mistreated emerge em um novo momento, certamente mais identitário e criativo. Estamos diante de uma das grande promessas da cena, um quinteto jovem e de largada recente que já pisa e enxerga como gigantes. O disco deixa justamente este recado aos ouvintes do grupo: "preparem-se para nosso próximo passo". E que a caminhada seja longa e quilométrica. O heavy metal precisa disso.

Gregory Weiss Costa





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