REBEL ROCK ENTREVISTA - HUMANAL
Em um mundo que parece girar cada vez mais rápido — e, ao mesmo tempo, desabar em silêncio sobre cada um de nós — surgem bandas que não apenas fazem música, mas que capturam o espírito de uma época. A Humanal é uma dessas raras manifestações. Nascida no isolamento, sonhada no caos e fortalecida na incerteza, a banda transforma inquietações humanas em arte pulsante, visceral e profundamente significativa.
Delirium, seu primeiro álbum, não é apenas um conjunto de faixas pesadas e intensas: é um espelho do agora. Um retrato de um tempo em que o digital sufoca, a ansiedade corrói, a política exige posicionamento e a alma, tantas vezes, tenta sobreviver entre ruídos. Nesta entrevista, conversamos com o guitarrista André Florão, sobre o nascimento da banda em plena pandemia, sobre identidade, o caos criativo, sobre o peso das perdas e, claro, sobre o que move a banda a transformar vivências em som.
Por: William Ribas
Rebel Rock: A Humanal nasceu em meio à pandemia, um período de isolamento e incerteza. Como aquele contexto influenciou o som e a mensagem que vocês queriam transmitir desde o início?
André: A banda, no início, éramos três integrantes, três amigos de longa data. Nós sempre tivemos essa vontade de montar um projeto, mas não tínhamos tempo, cada um com suas obrigações, e quando a pandemia e o isolamento obrigaram o mundo a desacelerar, foi o momento certo para iniciar a banda. Fazíamos as composições a distância e, depois, nos isolamos em uma chácara para executar as músicas que havíamos escrito antes de gravar nosso EP. Acredito que esse contexto de isolamento e insegurança teve impacto direto nas composições do EP. A música “Blindness”, por exemplo, traz essa temática de forma direta. Mas penso também que a pandemia foi um fator que nos impulsionou: a vontade de deixar nossa marca no mundo através da arte ficou aflorada, e esse senso de urgência fez tudo acontecer. Além do mais, pensar em música nos afastava um pouco daquele cenário tão caótico, ajudando a passar por esse período nebuloso.
Rebel Rock: O nome “Humanal” carrega um peso simbólico forte. O que ele representa pra vocês e de que forma se conecta com a identidade filosófica e existencial da banda?
André: Desde o início, tínhamos a ideia de que as temáticas das músicas deveriam estar relacionadas ao ser humano, tanto em um âmbito mais íntimo quanto em um contexto mais social. Por exemplo: “Burnout” trata de saúde mental, já a música “Opressor” fala de luta social, enquanto “Spiritless” fala da relação do homem com as religiões. Tendo isso em mente, quando surgiu a ideia do nome “Humanal”, nós decidimos quase que de imediato que esse seria o nome certo para nossa banda.
Rebel Rock: As letras da Humanal parecem sempre dialogar com o presente — com temas como alienação, vaidade e o caos digital. Vocês veem a banda também como um espaço de resistência e reflexão política? De que forma essas dualidades — entre o humano e o desumano, o espiritual e o racional — se manifestam e se equilibram dentro de Delirium?
André: Nossa banda não impõe limites em relação às temáticas. A arte tem esse papel de trazer reflexões acerca dos mais variados assuntos, então, no disco, temos inúmeros tópicos. É curioso que, no final, tudo se conecta; todas essas dualidades fazem parte da natureza humana. E definitivamente nossa banda é um espaço de reflexão política, pois isso é o cerne das relações humanas. Inclusive, um de nossos singles, “A Resistência”, é uma música fortemente posicionada.
Rebel Rock: Logo na abertura, “Echoes of Ether” e “Abyss” revelam um caráter visceral e perturbador. Em “Burnout”, os arranjos densos beiram a catarse, enquanto “Animal Social” e “Spiritless” aprofundam o clima de inquietação. É um álbum que soa caótico. Houve uma intenção consciente de explorar essa intensidade desde o início? Como é o processo criativo da banda?
André: Sim, tínhamos consciência que queríamos fazer um álbum diverso com músicas distintas entre si, cada música se conecta com a sua letra e transmite uma sensação diferente. A ideia é exatamente essa, trazer uma mudança de textura em cada música. Todos na banda participam de todas as composições e elas acabam sendo um mix das ideias de todos, além de criar um senso de pertencimento faz com que as músicas ganhem riqueza e diversidade.
Rebel Rock: Ainda sobre o processo de composição. Uma das coisas mais marcantes no disco é como as letras se encaixam no instrumental pesado, criando uma atmosfera quase sufocante às vezes. Como vocês constroem essa conexão entre letra e som?
André: Tudo depende de como foi construída a música, exemplo em Echoes of Either primeiro surgiu o instrumental que remete a essa ideia de mundo digital. Já em outras canções como Animal Social a letra foi escrita antes, então era importante que a música tivesse o tom que a letra sugeria. No final, o processo criativo tem essas particularidades, que vem dessa percepção onde você sente que precisa de algo e segue buscando até encontrar o melhor resultado.
Rebel Rock: O álbum foi produzido por vocês mesmos, Tati e Mauricio. Isso dá uma liberdade maior, mas também deve ser desafiador, certo?
André: Muito desafiador, um produtor consegue trazer um olhar de fora, distante, e isso acabou caindo nas costas da Tati e principalmente do Maurício, foi preciso muita maturidade e humildade para que eles pudessem conduzir esse processo. Foi um período desgastante no entanto, de muito desenvolvimento e aprendizado, mas no final com o resultado que desejávamos que é o mais importante.
Rebel Rock: “Xawara”, inspirada no livro A Queda do Céu, tem uma força lírica enorme. Como foi o processo de transformar uma leitura tão profunda em uma música que carrega essa energia ancestral e de resistência?
André: Essa música foi realmente um processo árduo de composição, pois ela precisava desse equilíbrio: ser direta e pesada como sua mensagem, mas com uma atmosfera mais mítica, como a de seu mensageiro. A letra é uma transcrição direta das palavras do Davi Kopenawa. É nossa única música em português no disco. Ela tem o discurso perfeito: não podemos mais virar os olhos para o que está acontecendo com o planeta. Temos que responsabilizar as autoridades e as classes dominantes. E os povos originários são um exemplo de luta que devemos seguir.
Rebel Rock: O som da Humanal é difícil de rotular — há groove, progressivo, melodia e brutalidade em doses equilibradas. Essa mistura vem naturalmente da vivência musical de cada integrante ou é fruto de uma busca consciente por uma identidade própria, um processo de desconstrução e criação de algo único?
André: É algo natural. Todos nós escutamos os mais variados gêneros de música, sem nunca ficar presos a um único. Se a música é boa, é o suficiente. Então, não é difícil encontrar nas músicas as mais variadas influências. Na bateria, por exemplo, temos muitas rítmicas de samba ou forró. Elas se encontram escondidas, nas entrelinhas, mas, se ouvir com atenção, elas estão lá.
Rebel Rock: O Delirium soa como mais do que um álbum — parece um retrato do nosso tempo. O que vocês esperam que o público sinta e reflita após a audição?
André: Nós colocamos corpo e alma, tempo e dedicação nesse álbum; colocamos toda nossa força. Agora nós soltamos a obra e deixamos ela ter vida própria. O disco é como um filho: criamos para o mundo. Na minha opinião, a audição é algo particular, tem que ser um ato prazeroso e que faça sentido. Então, o que eu espero sinceramente é que as pessoas escutem o disco e se permitam ter essa experiência e, no final, que elas se divirtam e se emocionem com ele.
Rebel Rock: “The Art of Losing” encerra o álbum de forma emocionante, com uma atmosfera mais introspectiva e uma construção que vai crescendo até o final. Não parece ter sido colocada ali por acaso. O que vocês podem contar sobre o significado dessa faixa? Por que foi escolhida para fechar o disco?
André: Essa música tem um significado muito particular e fala sobre as nossas relações com perdas, algo que é natural na nossa vida. Ela fala de como precisamos abraçar com mais naturalidade e humildade esses altos e baixos da vida. Além disso, possui um instrumental denso, introspectivo, cadenciado e muito reflexivo, sendo perfeita para fechar o álbum.
Rebel Rock: Por último, agora que o Delirium está no mundo, o que vem a seguir? Quais os próximos passos?
André: Nós entregamos tudo com muita força e energia nesse disco e não é diferente do que a gente faz em nosso show. Então, naturalmente, esse é o próximo passo: apresentar nosso trabalho com shows ao vivo em inúmeras cidades. Queremos levar o som da Humanal para todos os lugares, e os shows são uma grande via de divulgação. Os desafios de uma banda de metal no Brasil são inúmeros, mas, ao mesmo tempo, estar no palco apresentando seu trabalho de forma genuína e honesta ainda é uma das grandes alegrias na vida de um músico. É onde a gente quer estar agora.
Rebel Rock: Obrigado pela entrevista, o espaço final é de vocês.
André: Eu agradeço imensamente vocês da Rebel Rock pela oportunidade de poder falar um pouco do nosso trabalho. Agradeço a todos que estão nos acompanhando e nos apoiando. E peço que escutem a nossa banda. Estamos em todas as plataformas, temos material no YouTube e nas redes sociais — é só procurar pela Humanal que vocês vão achar. Segue a gente lá. Espero que vocês todos curtam o nosso som. Um forte abraço a todos e até breve!
Mais informações:
YouTube: https://youtube.com/@humanal?si=MV4Qr714Dbgz4C8l