Poucas bandas no heavy metal são tão essenciais e ao mesmo tempo tão envoltas em mistério quanto o Mercyful Fate. Formada em 1981, na Dinamarca, em meio ao furacão da New Wave of British Heavy Metal, a banda logo chamou atenção com sua sonoridade única: guitarras afiadas, estruturas longas e intrincadas, e acima de tudo, a voz hipnótica e teatral de King Diamond, que alternava entre falsetes agudos de arrepiar e graves que pareciam invocações do além. O quinteto clássico (King Diamond (vocais), Hank Shermann (guitarra), Michael Denner (guitarra), Timi Hansen (baixo) e Kim Ruzz (bateria)) deu ao mundo dois discos que se tornariam verdadeiros pilares do black metal primitivo: "Melissa" (1983) e "Don’t Break the Oath" (1984). Esses trabalhos foram tão influentes que até hoje são citados entre os maiores álbuns de metal extremo já feitos. Após divergências internas, a banda se separou em 1985. Mas como toda lenda, o Fate ressurgiu em 1992, mais maduro, lançando uma sequência de álbuns que mostraram uma nova face, até entrar novamente em hiato depois de 9 (1999).
Minha conexão pessoal com a banda começou de forma indireta, através do Metallica, quando ouvi o "Mercyful Fate Medley" no Garage Inc. (1998), do Metallica. Ali senti a força da música, mas foi mergulhando na discografia original que me tornei devoto ao ocultismo e à teatralidade sombria do Mercyful Fate \m/. Todos os discos têm sua importância, e ainda que os três primeiros estejam em um altar intocável, a jornada completa é um mergulho profundo na essência do heavy metal. Dito isso, vamos nos deleitar com a discografia da banda, que apresento aqui do meu “menos preferido” até o supra-sumo.
Fernando Aguiar
8º - RETURN OF THE VAMPIRE (1992)
Mais que um álbum, Return of the Vampire é um documento histórico. Trata-se de demos gravadas antes mesmo do primeiro disco oficial, lançadas como compilação. "A Corpse Without Soul" já carrega a energia obscura que seria marca registrada. "On a Night of Full Moon" tem uma atmosfera quase ritualística, enquanto a faixa-título "Return of the Vampire" resume a identidade embrionária da banda. Não há polimento, mas há autenticidade pura. É como abrir o diário secreto de um mago e encontrar os primeiros feitiços. Para qualquer fã, é um tesouro que mostra como o Mercyful Fate já tinha sua essência formada antes mesmo de mudar a história com "Melissa".
7º - 9 (1999)
O último álbum da banda é uma despedida poderosa (até o momento). 9 mostra um Mercyful Fate fiel ao que sempre foi: sombrio, pesado e intenso. A produção é crua, direta, sem polimentos desnecessários, o que dá ao disco uma energia agressiva, quase como se quisessem lembrar ao mundo que não havia envelhecimento criativo. "Last Rites" abre de maneira explosiva, reafirmando que o King Diamond ainda dominava o palco e o estúdio com sua teatralidade. "Burn in Hell" carrega riffs cortantes, daqueles que grudam na mente e mostram o DNA da banda. "House on the Hill" talvez seja a mais marcante, pela força melódica que contrasta com o peso. O álbum inteiro soa como um fechamento em círculo: é como se o Mercyful Fate dissesse ao mundo que começou sombrio e assim permaneceria até o fim. É um ”último” capítulo, sem concessões, que deixa o legado intacto.
6º - DEAD AGAIN (1998)
Lançado no ano anterior, Dead Again é um álbum longo e ousado. São músicas que ultrapassam dez minutos, construídas como rituais musicais que alternam passagens de pura agressividade com atmosferas densas. A faixa-título "Dead Again" é um épico absoluto: riffs que crescem como tempestade, vocais que alternam entre o demoníaco e o melancólico, e uma estrutura que mais parece um rito satânico. "The Night" se destaca pela aura obscura, como se fosse a trilha sonora de um pesadelo interminável. Já "Scream" é a pancada direta, lembrando que a banda também sabia ser simples e devastadora quando queria. "Crossroads" equilibra peso e melodia de forma quase ritualística. A produção é propositalmente crua, o que reforça o clima macabro. Para quem busca acessibilidade, esse disco pode soar desafiador. Mas para quem entra na imersão, é uma viagem que mostra a coragem da banda de não se repetir, mesmo depois de tantos anos.
5º - INTO THE UNKNOW (1996)
Este é o disco mais acessível do Mercyful Fate, mas não menos sombrio. Lançado em 1996, Into the Unknown soa cristalino, com uma produção impecável, riffs claros e uma pegada mais direta. Isso o torna uma boa porta de entrada, mas não trai as raízes. A abertura com "Lucifer" já mostra que a aura satânica continua ali. "The Uninvited Guest" é um destaque absoluto, sombria e cativante. "Holy Water" traz riffs que grudam na mente e uma interpretação de King que equilibra teatralidade com força. A faixa-título "Into the Unknown" é um mergulho no clima místico que sempre acompanhou a banda, e "Fifteen Men (and a Bottle of Rum)" mostra a ousadia em experimentar temáticas diferentes sem perder a identidade. Esse álbum foi bem recebido comercialmente, alcançando inclusive paradas europeias, algo incomum para a banda. É a prova de que, mesmo mais acessível, o Mercyful Fate sempre manteve sua essência.
4º - TIME (1994)
Com Time, lançado em 1994, a banda mergulhou em atmosferas mais elaboradas. É um álbum que mistura agressividade com momentos contemplativos, quase ritualísticos, provando que o Mercyful Fate podia soar versátil sem perder identidade. "Nightmare Be Thy Name" é um verdadeiro hino, um dos maiores da fase 90, carregado de riffs que soam como trovões. "Witches’ Dance" é teatral e vibrante, uma celebração da essência da banda. "Angel of Light" traz uma melodia envolvente que equilibra peso e emoção. "The Mad Arab" (dividida em duas partes) mergulha em mitologias do Oriente Médio, criando uma ambientação exótica e única. E há ainda "The Afterlife", que para mim é uma das faixas mais poderosas do disco: melancólica, direta, com riffs incendiários e King Diamond no seu modo mais agressivo. Ela mostra que, mesmo dentro de um álbum cheio de atmosferas místicas, a banda ainda podia soar como um ataque frontal, lembrando ao mundo sua raiz mais crua. Time é cheio de detalhes sutis, que só aparecem após várias audições. É um daqueles trabalhos que crescem com o tempo e revelam novas camadas a cada retorno. Para mim, é um tesouro da discografia, injustamente subestimado por alguns, mas absolutamente brilhante.
3º - IN THE SHADOWS (1993)
E chegamos ao pódio com o retorno triunfal após quase uma década. In the Shadows marcou o renascimento da banda, provando que ainda tinham muito a dizer. A abertura com "Egypt" é grandiosa e épica, preparando o terreno para um álbum memorável. "The Bell Witch" é um dos maiores clássicos da segunda fase, com riffs marcantes e refrão poderoso. "Is That You, Melissa?" conecta presente e passado, trazendo de volta a magia do debut em uma continuação emocionante. Um dos detalhes interessantes deste play está em "Return of the Vampire", com Lars Ulrich (Metallica) na bateria. Essa participação sela a reverência de um discípulo à sua influência maior. A produção é moderna, mas sem esterilidade, tudo soa nítido, mas ainda sombrio. É um disco que mostra vitalidade e respeito ao passado, ao mesmo tempo em que atualiza a sonoridade para os anos 90.
2º - DON'T BREAK THE OATH (1984)
O segundo álbum do Mercyful Fate é pura consagração. Se "Melissa" já havia colocado a banda no mapa, Don’t Break the Oath os elevou a um patamar quase místico dentro do heavy metal. Lançado em 1984, em meio ao crescimento do thrash e ao surgimento de bandas mais extremas, o Fate entregou um trabalho que foi além de tudo o que se fazia na época. Era mais sombrio, mais ousado, mais complexo, e ainda assim acessível para quem quisesse mergulhar em sua obscuridade. "A Dangerous Meeting" abre o disco de forma explosiva, com riffs que soam como trovões e uma progressão que anuncia logo de cara que este não seria apenas mais um álbum de metal. "Desecration of Souls" aprofunda o lado macabro, trazendo linhas vocais quase demoníacas de King Diamond, que aqui atinge um dos auges de sua teatralidade. "Night of the Unborn" mantém esse clima de horror, criando uma narrativa sonora que parece vir de um ritual ocultista.
Mas o ápice ritualístico vem com "The Oath". Essa faixa é praticamente uma missa negra em forma de música. Com atmosferas sombrias, vocais teatrais e riffs que parecem invocações, é um dos pontos mais altos da carreira da banda e do metal como um todo. Já "Gypsy" mostra a versatilidade do grupo, com uma levada que mescla peso e groove, mantendo a intensidade. E, claro, "Come to the Sabbath". Aqui não há espaço para discussões: é um hino absoluto do heavy metal e ponto. Reverenciada até hoje como uma das melhores músicas já escritas dentro do gênero, ela condensa tudo o que é o Mercyful Fate: riffs cortantes, letras ocultistas, teatralidade e uma atmosfera que arrepia do início ao fim.
Esse disco é pura imortalidade. Sua influência ecoou em bandas como Slayer, Bathory e Emperor, além de todo o black metal que viria depois. O mais impressionante é que, mesmo quatro décadas depois, ele ainda soa moderno e relevante. Para mim, Don’t Break the Oath é daqueles álbuns que não envelhecem, porque são mais que música: são uma declaração de princípios e principalmente, formador de caráter, daqueles que moldam não só a cena, mas a alma de quem o ouve.
1º - MELISSA (1983)
E chegamos ao altar máximo. Melissa não é apenas "O" debut do Mercyful Fate, é um marco incontornável na história do heavy metal. Lançado em 1983, em pleno boom da NWOBHM, o disco foi um divisor de águas: trouxe uma sonoridade ousada, complexa e absolutamente sombria, que abriria as portas para todo o metal extremo que estava por vir. "Evil" abre o álbum com violência e energia, um clássico imediato que mostra desde o primeiro riff que a banda não estava ali para brincar. "Curse of the Pharaohs" é épica, carregada de riffs que ecoam como mantras, com uma aura quase ritualística. "Into the Coven" mergulha fundo no ocultismo, explorando temas que ninguém ousava tocar na época e criando uma atmosfera de arrepio.
Mas é em "Satan’s Fall" que o Mercyful Fate entrega sua obra-prima progressiva. Com mais de 11 minutos, a faixa alterna climas, intensidades e riffs de forma genial, mostrando a ousadia e a habilidade da banda em compor músicas longas sem perder impacto. É um verdadeiro épico, daqueles que você termina de ouvir sem perceber o tempo passar. E então vem a faixa-título, "Melissa'. Dedicada à famosa caveira que King Diamond usava nos palcos, ela é carregada de melancolia, teatralidade e emoção. É um encerramento quase espiritual, que transforma a audição do álbum em uma experiência única, como se o ouvinte tivesse participado de um ritual.
Esse disco moldou o futuro do thrash, do death e do black metal. Bandas como Metallica, Slayer e Exodus beberam diretamente dessa fonte, assim como todo o movimento do black metal norueguês. É referência obrigatória, não apenas pela música, mas pela ousadia e pela forma como expandiu os limites do gênero. Para mim, Melissa é mais do que um álbum, é uma das maiores obras da história do heavy metal. Ouvi-lo é como participar de um ritual sagrado, algo que vai além da música. É entrar em contato com uma energia que mistura o oculto, a paixão e a genialidade criativa. Um verdadeiro altar sonoro, onde todo fã de metal deveria se ajoelhar pelo menos uma vez na vida.
CONCLUSÃO
A discografia do Mercyful Fate é um verdadeiro mergulho no oculto e no poder do heavy metal. Todos os álbuns têm valor, todos são celebrações de um legado eterno. Mas é impossível negar que Melissa e Don’t Break the Oath estão em um altar intocável, influenciando gerações e definindo um gênero. Eu descobri o Mercyful Fate pelo Metallica, mas foi a própria banda que me conquistou e me fez um fã tão devoto.
Porque, no fim, o Mercyful Fate não é apenas uma banda. É um culto. E quem entra nesse culto, como eu entrei, nunca mais sai.
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