quarta-feira, 28 de junho de 2023

ALTA TENSÃO - METALMORFOSE (1985/2022)

 

ALTA TENSÃO
METALMORFOSE (1985/2022) - RELANÇAMENTO
Dies Irae Records - Nacional

Vamos tocar na ferida de inúmeros fãs brasileiros de metal: não, vocês não valorizam ou sequer sabem o que é ou o que foi feito em nossas terras em nome do nosso gênero musical favorito em perversos tempos pregressos! Especialmente quando se trata daqueles guerreiros advindos de anos obscuros em plagas tupiniquins, épocas em que não havia praticamente nada – referências, imprensa, estrutura ou apoio – para se fazer heavy metal por aqui. Ainda que grandes centros moviam uma embrionária cena, o estilo servia menos que uma expressão de rejeito ou desgosto para a central opinião musical da época. Se era difícil para nomes como Centúrias, Harppia, Dorsal Atlântica, Sarcófago, ou ainda, para um pretenso Sepultura, consequentemente, nem sequer haveria espaço para outros observantes de fora.

Nesse espectro, imagine como deveria ser para quem vivia em áreas do país longe do eixo Rio-São Paulo. Tente vislumbrar, então, uma banda de heavy metal em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, em pleno 1985. A estranheza desse exercício mental certamente poderia levar vários ao bloqueio imaginativo. Ainda assim, nessa exata época e local, um grupo chamado Alta Tensão resolveu fazer o que quase ninguém estava fazendo. Influenciados pelo os clássicos medalhões Black Sabbath, Deep Purple, Judas Priest e Iron Maiden, Adílson Fernandes (vocal/guitarra), Edson David (guitarra), Marcos Fernandes (baixo) e Bosco Melo (bateria) nadaram contra a maré e resolveram gravar o emblemático “Metalmorfose”, que, no ano de 2022, ressurge como relançamento.

Dessa forma, precisamos entender que o que se escuta nesta obra calca-se em um cenário precursor, em um âmbito ausente de muitas referências ou parâmetros. Por isso, “Metalmorfose” é um brado significativo a uma época pioneira e única em que qualquer possível fã de heavy metal deve prestar reverências ou, no mínimo, respeito.

Lançados pelo lendário selo “Baratos Afins” e produzido por Oswaldo Vecchione (do também lendário “Made in Brazil), e relançado agora pela Dies Irae Records em CD edição especial com slipcase, pôster, adesivo e booklet de 24 páginas com biografia em português e inglês, letras e fotos inéditas, a trupe esculpiu seu nome na história do metal nacional ao concretizar essa obra cantada em português, a qual, após uma “Intro” de preceitos macabros, acorda o ouvinte com “Submundo da Carne”, faixa em que a dupla de guitarras destila suas influências em Priest e Maiden para dizer aos brazucas para que vieram. A música seguinte, também título do álbum, “Metalmorfose”, é um distúrbio sonoro que lembra as loucuras do Sabbath em anos iniciais, mas com o adendo de um refrão marcante que brada repetitivamente o verso “nesse som de metal!”. Com a letra fazendo alusões a uma nova ordem política, imagino o quão significativa a faixa deve ter soado na época.

A próxima trilha, “Rock Batalha”, é um laboratório de Iron Maiden no vernáculo português. Guitarras em dobrado e solos estonteantes fazem desse som um dos melhores do disco, ainda que o refrão soe um tanto brega se entendido aos ouvidos modernos. Seguindo, temos a música “Paranoia”, que se caso evitasse uma alusão ao clássico do Black Sabbath, falhou nessa missão. Tudo bem que a trilha não é nem um pouco parecida com o hino dos ingleses, mas soa muito como o grupo de Birmingham. Até a letra remete ao pálido viés lírico de Ozzy e companhia. Há uma levada meio blues, refrão marcante e quebradas extremamente bem cadenciadas. Uma boa música, sem dúvidas.

Na conduta “Sabbathiana”, “Missão Impossível” segue incólume nessa intenção. A introdução armada pelo baterista Bosco até o riff incidental da faixa assumem a total e plena influência dos pais do heavy metal. No entanto, logo ganha ares de um speed metal, cadência avançada e guitarras em celeridade. Mais uma vez, percebemos o quão excelentes eram os trabalhos de cordas da banda, apurando solos intercalados e de escalas desafiantes.

E falando em excelente trabalho de guitarras, “O Pecador”, faixa seguinte do álbum, apresenta a virtuose aguçada de Edson David. Ainda que o som jogue mais do mesmo em uma levada clichê, algo entre o punk e o heavy, é impossível não ficar impressionado com o exímio talento da guitarra na faixa. A bateria também cria seus momentos, típicos e sugeríveis de serem ouvidos pelas baquetas de Ian Paice do Deep Purple. Apesar desses destaques, a música não é muito memorável.

“Não Dispare” encerra o álbum com velocidade e vocais afrontosos. Um speed metal com nuances de Judas Priest, talvez carecendo de um pouco mais de ousadia do vocalista, mas, conforme disse ao início do texto: tratava-se de uma época sem referências muito claras. A letra que rima “pare” com “não dispare” é bem divertida, fechando com um efeito sonoro de metralhadora bem figurativa à faixa.

Quase 40 anos depois de seu lançamento, “Metalmorfose” ainda é uma peça necessária e representativa do arcabouço do heavy metal brasileiro. Em uma era em que fazer metal no Brasil encorpava-se mais da audácia e da coragem do que propriamente da técnica, o Alta-Tensão condensa esses fatores e remarca para as futuras gerações uma verdadeira aula de como se criar e fazer música pesada no país. Em uma época em que a originalidade e a autenticidade frisavam limiares semelhantes, a banda deixou seu recado e identidade, orgulhando para sempre a história de nossa música. Valia ser ouvido em 1985 e, certamente, segue sendo valorosa a audição em 2023.

Gregory Weiss Costa




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