segunda-feira, 26 de dezembro de 2022

MATHAGAL - CONTOS DA MEIA NOITE (2022)

 


MATHAGAL - CONTOS DA MEIA NOITE (2022)
Independente - Nacional

As ligas metálicas de peso sonoro e o horror tecem esse magnifico comitê atrativo, que funciona muito bem e não é de hoje. Alias, a lendária matriarca Black Sabbath, surge sob esse signo, com a majestosa missão de provocar o horror e o terror sonoro. Tão gigante foi essa presença (e ainda é), que essa receita segue sustentando essa mesma escola por mais de meio século, desde o primeiro riff do mago Iommi. 

Agora imaginem um power trio, armados de terror até os dentes, que vislumbraram  ideias do um projeto que raspou no Mudvayne, recebeu um empurrão do Korn e acertou o Sepultura em cheio. Não existe outra opção, a não ser ficar impressionado com a imensa carga de peso, musicalidade, referencias e cultura, aprisionados nessa ideia. A gigante influência do Sepultura resulta num enraizamento das abrasileiradas composições. Até o momento que esta resenha veio ao ar, as referencias utilizadas nas músicas, fazem alusão a momentos e figuras da nossa cultura, o que causa uma aproximação instantânea. Só de ler os nomes das músicas, surge uma sensação de pertencimento e apropriação cultural. Para aqueles que um dia se arrepiaram com as notícias do Chupacabra, e para quem, um dia, já assistiu (ou ouviu histórias) do Sítio do Pica-pau amarelo, vai entender o que estou falando. 

Mas afinal de contas, o que é que o Monteiro Lobato tem a ver com Mudvayne, Sepultura, Korn, Chupacabra e metal pesado? A resposta, tem nome e se chama: MATHAGAL.

É Mathagal o nome desse power trio mencionado anteriormente. A banda surge no Texas, na insana mente do “Guigo”, produtor brazuca que reside nos EUA. Recheado de referências terríveis e cheio de saudades de casa,  na outra ponta da América, soltou esse compêndio de loucuras no ar. E como dizem os antigos:
-“Aquilo que Deus separa, o diabo junta”...

Toda loucura, em forma de horror, que brotou nas ideias do Guigo, encontrou suporte e combustível em Santa Catarina (BR), noutras duas mentes perturbadas. Raphael Jorge – da 100 dogmas, e Juvi Cristofolini – da Motim. Pronto, havia se consolidado a profecia que destamparia a caixa de pandora tupiniquim. 

Da fresta dessa caixa de pandora BR, semiaberta (isso só porque temos apenas um EP até o momento), o que se vê arrepia, assusta e admira. A admiração vem por conta da originalidade da Mathagal. Os três integrantes encontraram uma maneira dinâmica e perfeita para assimilar a velharia contida no som pesado das já tradicionais bandas citadas, com a sofisticação da modernidade. Então o que se escuta, da Mathagal, é um trampo muito atemporal e coeso. Agrada fãs de metal “veio” e admiradores de som mais atual. Ou seja, um trabalho super refinado que dialoga com vários públicos, dentro do estilo. De todos os elementos que constroem a personalidade de uma sociedade, os mais proeminentes são os mitos e os ritos. E a força desses elementos, deixarei para o filósofos que já discorreram sobre isso. Aqui, vou me deter em como a Mathagal os coadunou em um EP, de arrepiar.

 Das escuras e densas florestas do nosso ímpeto sócio-político, surge a inspiração para o “Aphastatupi”. Uma criatura horrenda, com sede de sangue e morte. Zero empatia, a criatura é o  rastro do terror vivo, o fenecimento pelo prazer da carne dilacerada, a ortotanásia com requinte de tortura e dor. Neologismo guarani que dá nome a uma das faixas mais pesadas do EP. Junto ao vocal gutural do Juvi, guita e bateria adicionam fúria incondicional à faixa. E como se já não houvesse medo suficiente, a produção do disco caprichou nas sonoplastias e efeitos sonoros, que somam na construção da música. Ficou assustado com a descrição do “Aphastatupi”? Isso que você  ainda não viu a última frase da música. Isso sim vai causar ainda mais temor! Mas o “Aphastatupi” não chega sem aviso, ele é guarnecido por uma sinistra introdução. A “Intro” conduz um minuto e sete segundos de suspense embalados por um acorde dissonante, uma respiração ofegante, pássaros, passos molhados e alegorias tenebrosas. Se você se sentir caminhando pela floresta, sendo perseguido pelo Predador, não é nenhuma coincidência, melhor dar uma olhada para trás, só pra ter certeza!  

Aqui é o momento em que a infância dos marmanjos se desgraça. Aquele amargor no céu da boca para descrever uma personagem clássica do imagético infantojuvenil. Esqueçam a criatura brincalhona com batom e forma de coração, que o Lobato pensou para o Sitio do Pica-Pau Amarelo.  Essa é a Emília que o Gilberto Gil jamais teria coragem de cantar. Porém, nessa nova roupagem trazida pela Mathagal, “Emília” está aprisionada no próprio rancor, possuída, miserável, não sorri – pois sua boca é costurada, e não enxerga – já que olhos sagram. Ah, não se preocupe em correr, não há como fugir, ela conhece teus desejos mais intensos (imagine um sorriso infernal agora). Nessa faixa quem capricha no vocal é o Rapha, enquanto o Guigo dá uma surra no baixo e bateria. Aqui, no baixo, fica muito clara influência do Korn para o grupo. Pesada, arrastada, groovada, Emília concentra tudo que á de mais obscuro no abismo situado  entre New e o Doom metal.  

Em poucos segundos, “Interlúdio” faz uma pequena apresentação do som a seguir. Em “Chupacabra” a memória sensitiva busca sentimentos de 1997, momento em que o Brasil inteiro congelou de medo, com as pavorosas notícias das mortes sinistras causados pela horrível criatura desconhecida. Assim como nas notícias, Mathagal trouxe o Chupacabra para o EP, com o mesmo terror. Acuado na mata, farejando sangue na madrugada, dilacerando vítimas, “cuidado na madrugada, é o CHUPACABRA!”

Novamente a banda consegue equalizar momentos históricos e diferentes, no mesmo som. A base que sustenta o som traz o saberes das pioneiras do som pesado, porém contrasta em debate, perfeitamente,  com uma pegada mais moderna do vocal do Raphael. Um deleite sonoro e temático aos amantes do metal pesado, com  qualidade. 
E o Juvi eim!? O Guri encerra o disco escudando um vocal feroz para o tributo de ouro. Cover do Sepultura, a bolachinha digital encerra ao som de Roots Bloody Roots, do polêmico ROOTS. Ame ou odeie. O disco divisor de águas, muito bem referenciado pela Mathagal. 

Eis que, então nominado pela primeira vez nesse texto, o CONTOS DA MEIA NOITE, sustenta pouco mais de quatorze minutos muito bem arranjados entre som, qualidade, referencias e sensações. Para o desespero (e choro) dos que adoram ostentar a frase que o “Rock BR morreu”, Contos da Meia noite, da genial Mathagal, prova completamente ao contrário. 

Enquanto escutava o disco para construir esse texto, me veio a ideia de que,  Contos da Meia Noite poderia muito bem ser uma trilha sonora de um filme do Rob Zombie. Porém como o projeto é nacional e fala nossa linguagem cultural, pensei num diretor nacional que poderia coroar  essa trilha sonora na telona. O primeiro que me veio à mente foi Marcos DeBrito. Como esse texto nasce nas entranhas do mês de dezembro, para o ano novo então, faço um desejo. 

- Que algum momento dessa vida o DeBrito e a Mathagal cruzem caminhos. (dedos cruzados). 

Pois ambos merecem, um o terror e o horror, do outro! A comunidade Fantaspoa pelo mundo iria gargalhar de prazer. 

A obra criada pela Mathagal se completa com as criações gráficas em torno das imagens e dos clipes. Artes, especialmente horrendas, criadas por AI Fantasy Art. dão maior dimensão aos personagens e momentos cantados pela banda. 

Vida longa e próspera Mathagal! 

Uillian Vargas





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