DISTRAUGHT
INVOLUTION (EP)
Independente - Nacional
INVOLUTION (EP)
Independente - Nacional
São exatos 35 anos de carreira. 35 anos de devoção ao Thrash Metal e ao underground. 35 anos fazendo um estilo que nesse país onde a exaltação ao sexo, às drogas e ao crime na música podem te levar (e na maioria das vezes levam) ao estrelato. Mas integridade não se compra em farmácia. Muito menos, aderindo aos modismos impostos pela indústria musical. E nesse quesito, poucas bandas conseguem empunhar essa bandeira como a DISTRAUGHT. Um dos pilares do estilo no Brasil, o grupo nos brinda agora, em 2025 com um EP simplesmente destruidor, que faz jus à carreira vitoriosa do quinteto. São 05 faixas que colocam no bolso muito full lenght que vemos sendo lançados por aí, tamanha a intensidade, brutalidade e garra entregues a cada uma das composições. Uma pena que no Brasil, uma banda desse nível precise lançar seus trabalhos de forma independente e até mesmo, sem disponibilizar formato físico, tendo em vista as dificuldades impostas pelo mercado. E se você é daqueles como este que vos escreve, a mídia física faz muita diferença. Mas, se não vende, como lançar? Fica a reflexão pra nós mesmos, fãs de música de verdade. A questão é que INVOLUTION, merece ser apreciado por todo fã de Heavy metal, seja ele do estilo que for. Afinal, a música da Distraught ultrapassa as barreiras de um estilo e mostra que a banda, felizmente, tem muita lenha pra queimar!
André Meyer (vocal), Ricardo Silveira (guitarra), Everton Cunha (guitarra), Alan Holz (baixo) e Thiago Caurio (bateria) integram uma das formações mais insana s e destruidoras do estilo no país. Se você já teve a oportunidade de assisti-los ao vivo sabe bem do que estou falando. E aqui, neste trabalho, não poderia ser diferente. Renato Osorio (também guitarrista da Atomic Elephant e ex-Hibria) produziu o trabalho no Dry House Studio em Porto Alegre deixou tudo como deve ser: pesado, moderno e visceral. Já a mixagem ficou por conta de Benhur Lima, o que realçou ainda mais as características brutais do quinteto. A capa é mais uma obra de Marcelo Vasco, envolvendo de forma interessante o contexto do EP, que traz a nossa capacidade inerente, talvez
inescapável, para a autodestruição e para a devastação sistemática do
mundo a nossa volta. o "V", em destaque no título, é a Pedra de Roseta, uma obra-prima de camadas
simbólicas. É um aceno direto e inegável ao numeral romano V, ligando-o intrinsecamente às cinco faixas profundas que compõem o EP. Mas, mais do que isso, serve como o nexo
para os cinco elementos antigos - Terra, Água, Ar, Fogo e Aether - os próprios blocos de
construção da existência de acordo com a filosofia antiga.
O trabalho abre com a poderosa "Blood Mines", que começa com as guitarras de Ricardo e Everton em sintonia, enquanto Alan e Thiago se encarregam de criar uma base solida, pesada e brutal. André, por sua vez, imprime sua personalidade de forma concisa, pois aos primeiros "gritos" já sabemos que é o alemão cantando. Fazendo referência ao elemento Terra, nos mostra a corrida do ouro ocorrida em Serra Pelada, que durou cerca de uma década e meia, a faixa é um hino visceral e carrega de emoção, principalmente nos solos que se encaixam entre a brutalidade e a melodia que se impõe de forma natural durante sua execução. Acredito que ao vivo, sua agressividade vai se elevar à décima potência! Na sequência, a faixa escolhida pra ser o vídeo de divulgação do EP, a não menos destruidora "Extermination of Mother Nature". Se na música anterior o peso e brutalidade se entrelaçavam com a velocidade, aqui, momentos mais densos e cadenciados contrastam com golpes certeiros e velozes, num mix de sensações. Trazendo à tona a ira aterrorizante dos elementos,
especificamente nas inundações devastadoras que assolaram o Rio Grande do Sul em
2024, a faixa nos mostra em sentido amplo que a natureza é impiedosa com aqueles que a maltratam. Repetindo “the fury of the waters / invading
the land” e “all about the (fuckin’) money”, a banda mostra o que realmente legitima a tragédia. Aqui, temos o elemento Água: sua correnteza destrói casas e sonhos, mas sobretudo
arrasta consigo as promessas vazias dos (des)governos.
"Aether", como o próprio nome entrega, faz referência ao próprio elemento, é uma faixa instrumental que serve como um
contraponto profundo e contemplativo a devastação anterior. A música torna-se o meio para a investigação filosófica, explorando o conceito
antigo do Aether - o quinto elemento, a quintessência, e nos prepara para o que vem em "Truth Denied": um thrash á moda Distraught, ou seja, guitarras ríspidas, baixo e bateria marcados e vocais insanos. Alternando momentos mais lentos e arrastados com outros de pura violência, a faixa fala sobre a desinformação que tomou conta dos redes sociais e do mundo em geral. Seja durante a pandemia ou nos dias atuais, o negacionismo e suas consequências vêm no "Ar", numa metáfora que o transforma num "mensageiro invisível" que carrega consigo toda essa rede de negligência e ao mesmo tempo, não tem como contrapor tudo isso, nos deixando sem fôlego pra "entender" o que vem acontecendo. E pra fechar o trabalho, "Setfire", que também como o nome entrega, faz referência ao fogo. Enfatizando os desastres que vem acontecendo ao redor do planeta, mas em especial o que ocorreu no Pantanal em 2024, a faixa é um petardo daqueles que abrem as rodas de mosh nos shows e criam o clima perfeito para que o público "pegue fogo" (desculpem , sei que o trocadilho foi besta, mas não quis deixar passar... hehehe). Everton e Ricardo, novamente numa sintonia perfeita alternam riffs e solos devastadores e mostram que são uma das duplas mais criativas e pesadas do país. Um encerramento que nos deixa pensativos: o que estamos fazendo com o mundo, tem volta?
A DISTRAUGHT prova mais uma vez, que é uma das melhores bandas (na opinião deste que vos escreve, a melhor) do estilo no Brasil. INVOLUTION é um EP que une de forma perfeita a brutalidade da música do quinteto, com a brutalidade do que vem acontecendo no planeta, muito disso por nossa causa. 35 anos não são pra qualquer banda e o grupo prova que, experiência e inteligência, quando andam de mãos dadas, criam obras tão importantes e fundamentais como esse trabalho. Que venham mais álbuns (físicos de preferência) e que possam levar a banda a fazer show pelo país. Algo que deveria acontecer todos os anos...
Sergiomar Menezes
Foto: Cristiano Seifert