MOTORHEAD: REVISITANDO BAD MAGIC E 0S DEZ ANOS DO FIM DA BANDA MAIS CASCUDA DO PLANETA
O tempo, esse misterioso desdobre do espaço cósmico, é implacável. Da mesma forma que cura cicatrizes profundas, por vezes as abre, talvez para nos lembrar do que perdemos e resgatar sentimentos e ensinamentos que de outra forma não absorveríamos, e da mesma forma que os aprendemos, nos perdemos de novo.
No dia vinte e oito de agosto de 2025 completam dez anos de Bad Magic, o vigésimo terceiro disco de estúdio da banda mais casca grossa de rock and roll que existiu. Era assim que Lemmy Kilmister fazia questão de cravar o estilo do Motörhead, o marco zero do que seria o metal extremo, ou como definiram na época que não haviam muitos rótulos, “Power metal “.
Temos aqui um disco excelente, mais completo na minha opinião que os anteriores como “The World is Yours” e “Aftershock”. Gravado na Califórnia, contou com a produção de Cameron Webb e teve uma roupagem muito orgânica sendo gravado “ao vivo “, com os integrantes tocando juntos. Podemos perceber o quanto isso impactou positivamente na urgência, peso e visceralidade das treze músicas, a inspiração é notável e a energia dispensada aqui nos remete a cada fase da banda, ao mesmo tempo que é uma vitória pessoal de Lemmy, com suas limitações e estado de saúde, mas que apesar disso, demonstrou uma grandeza fenomenal no processo, junto aos companheiros Phil Campbell e Mikkey Dee. Infelizmente viria a ser o grito de Mandrágora da banda, apesar de não saberem disso.
“Victory or Die“ abre os trabalhos com dignidade, demonstrando o estilo único da banda desde há tempos, rápida e pesada, abrindo caminhos para a poderosa “Thunder and Lightning”, notavelmente uma das mais empolgantes e agressivas do álbum, com uma cozinha e riffs no talo em alto nível.. “Fire Storm Hotel“ é um rock and roll do inferno, poderia estar em ”Overkill“ tranquilamente, ”Shoot Out All of Your Lights“ abre com uma levada sensacional de Mikkey Dee, um groove característico dá destaque, e pequenas doses de velocidade complementam. ”The Devil “ é uma boa canção com uma pegada áspera e conta com Brian May em uma participação especial, adicionando um brilhante toque. “Eletricity” volta a empolgar, lembrando os áureos tempos de “Bomber” eu diria, com seu andamento característico, ponto alto também pra mim .
“Evil Eye“ tem uma levada tribal nos tambores, é uma faixa interessante. ”Teach Them How to Bleed” eleva um pouco o nível, uma das melhores do álbum, contando com um solo matador de Phil Campbell. Funcionaria muito bem ao vivo, o nível de complementaridade do Power trio se destaca mais uma vez. “Till the End” é uma pérola em forma de reflexão sobre autenticidade nas palavras do mestre e uma balada magnífica, me lembrou até mesmo algo de Hendrix aqui (não sei o porquê), uma das minhas favoritas e que depois, acabou se tornando uma das mais tristes pelo que viria mais tarde naquele mesmo ano... seria um adeus?
”Tell me Who to Kill” tem um riff interessante, lembrando até mesmo o Metallica, “Choking on Your Screams” não é ruim mas acaba não empolgando em comparação às outras aqui, e “When the Sky Comes Looking for You” fecha em alto nível com um belo trabalho de guitarras uma vez mais. Finalizando, um cover brilhante dos Stones com a emblemática “Sympathy for the Devil”, que caiu como uma luva em questão de peso e deu de certa forma uma aura mais sombria pro clássico.
Anos mais tarde, o disco foi relançado, intitulado “Bad Magic: Seriously Bad Magic” trazendo de bônus duas inéditas, “Bullet in Your Brain” (e um clipe cheio de nostalgia com imagens da época da gravação) e “Greedy Bastards”, além de um cover magnífico de “Heroes” de David Bowie. Também conta com um CD ao vivo de uma apresentação no Japão em 2015. Tivemos uma distribuição desse belo material através da Shinigami Records aqui no Brasil em parceria com a gravadora UDR na ocasião.
Antes do lançamento do disco, a banda passou pelo Brasil na edição do Monsters of Rock, o show foi cancelado em São Paulo pois Lemmy estava muito debilitado e passou mal. Com sorte, rolou o show em Porto Alegre no estádio do São José junto com as bandas ZeroDoze, Judas Priest e Ozzy Osbourne, e eu perdi.
A lendária e pesada sonoridade do baixo Rickenbacker e a voz única, rouca e alcoolizada de Lemmy se calaram pela última vez na tour de quarenta anos da banda, em quinze de dezembro na Alemanha. Duas semanas depois, em vinte e oito de dezembro de 2015, devido a complicações de saúde, além da recente descoberta de um câncer, Lemmy faleceu. Segundo relatos, morreu em serenidade e em paz. E obviamente, o Motörhead decretou o fim das atividades.
Passei dias sem ouvir a banda. Não consegui, foi duro aceitar que tudo havia acabado. Nunca mais teremos uma banda igual surgindo por aí, nenhuma chance disso acontecer. Mas necessário jamais esquecer do tamanho da importância e do legado que um dia uniu rockeiros, headbangers e punks, e que mudou tudo nos primeiros acordes de suas obras. Igualmente necessário e fundamental nunca esquecer das palavras de Lemmy, sobretudo num tempo perigoso e sombrio que vivemos, quando nos ensina que todo político é um filho da puta, e que não precisamos de religião para sermos boas pessoas e pensarmos por nós mesmos. É dever de cada um de nós, o reviver através de nossas atitudes e postura a cada dia.
Salve Lemmy Kilmister, Phill Campbell, Mikkey Dee. Salve ”Fast” Eddie Clarke, Philtty "Animal" Taylor, Würzel…. obrigado por tanto.
À maior de todas, um brinde com Jack Daniels!
Gustavo Jardim
Nenhum comentário:
Postar um comentário